Dados tabulados pelo Estado com base no questionário da Prova Brasil de 2009, que foi respondido por 216.495 professores de escolas públicas, revelam que um dos fatores responsáveis pelo baixo nível de aproveitamento dos estudantes do ensino fundamental está no não cumprimento dos currículos. Segundo a pesquisa, 75% dos professores não conseguem esgotar o programa de suas disciplinas no final do ano letivo. Em média, eles só desenvolvem 80% dos conteúdos que deveriam trabalhar. Dos docentes que lecionam para os alunos da 5.ª à 9.ª série da rede pública de ensino fundamental de todo o País, 7.380 afirmaram que não conseguem lecionar mais de 40% do currículo. E cerca de 27 mil afirmaram que conseguem dar, no máximo, até 60% do programa previsto.Os piores porcentuais de cumprimento do currículo estão no Nordeste. Nos Estados do Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará e Maranhão, por exemplo, quase 30% dos professores não conseguem cumprir a metade do programa de suas disciplinas. Nesses Estados, o índice de docentes que conseguem cumprir mais de 80% do currículo é de apenas 10%.E como muitas escolas adotam o sistema de progressão continuada, os alunos vão sendo promovidos sem aprender o mínimo previsto para o ano. Por isso, quando terminam a 5.ª série, só 34,2% dos estudantes têm conhecimento de português adequado à série e em matemática, apenas 32,5%. Na última série, o rendimento cai ainda mais. Apenas 14,7% dos alunos têm conhecimento de matemática adequado à série e em português o índice é de 26,2%. "Isso acontece porque os conteúdos são cíclicos, retornam em anos seguintes de forma mais complexa. Se o aluno não o aprendeu bem, não conseguirá acompanhar na série seguinte", diz Maria Carolina Dias, da Fundação Itaú Social. Parte do problema é atribuída à formação deficiente do professorado e à falta de um acompanhamento pedagógico das escolas. "Muitos professores desconhecem o assunto, até porque dão aulas de disciplinas correlatas. Um biólogo que é professor de matemática não vai cumprir todo o conteúdo simplesmente porque não sabe. Muitos professores também abrem o diário e veem na hora o que precisam fazer. Não pensam com antecedência. Para que isso mude, é preciso um bom coordenador pedagógico, que acompanhe e tenha uma visão global", afirma Carolina. Outra parte do problema decorre dá má concepção dos programas. Muitos currículos estão defasados. Alguns são excessivamente grandes e ambiciosos, misturando temas ou valorizando modismos intelectuais, em detrimento de conteúdos básicos. E há ainda currículos cujo conteúdo é condicionado por maniqueísmos políticos. "O currículo é o mapa de navegação de um sistema de ensino. Aqui no Brasil, como não existem metas específicas de aprendizagem, fica impossível averiguar que tipo de conteúdo o professor está ministrando e, consequentemente, se o aprendizado do aluno está garantido", diz a consultora e ex-diretora executiva da Fundação Lemann Ilona Becskeházy. A reestruturação da rede pública de ensino fundamental enfrenta, assim, dois desafios, segundo os especialistas. O primeiro é investir nas escolas e nos professores, melhorando a qualidade da formação do docente. O segundo é modernizar os programas, por meio de um currículo nacional coerente e voltado para os conteúdos elementares. No passado, dirigentes do Ministério da Educação tentaram definir um currículo nacional. Mas vários professores resistiram, alegando que ele comprometeria a autonomia didática e pedagógica. E, apesar de a Lei de Diretrizes e Bases afirmar que os Parâmetros Curriculares Nacionais sejam definidos pela União em colaboração com os Estados e municípios, muitos secretários municipais e estaduais de educação alegam que o currículo nacional colide com a estrutura federativa do País. Enquanto não se desatar esse nó, advertem os pedagogos, será difícil exigir que os professores cumpram à risca currículos que estão em descompasso com a realidade do País.