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Professor de Filosofia na UFRGS, Denis Lerrer Rosenfield escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A ideia de socialismo

Ideia sem seu processo, histórico, é uma mera abstração, carente de significado. Sobra somente esta forma específica de fanatismo teológico/político

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Há ideias bizantinas em curso sobre a ideia de socialismo, como se fosse uma proposta etérea, quase divina, que se confrontaria contra todas as formas existentes de organização social, política e econômica, sobressaindo o capitalismo como o inimigo número um. Capitalismo, entenda-se, a economia de mercado, a democracia, a livre concorrência, a liberdade de escolha que os cidadãos têm de decidirem sua própria vida e o Estado de Direito.

Cria-se uma situação assaz curiosa, a de comparar a ideia de uma sociedade perfeita, a cidade de Deus, a todas as sociedades existentes. Nessa lógica desprovida de razão, o embate seria sempre favorável ao socialismo. Não é feita a comparação entre o socialismo existente, em suas várias realizações históricas, exemplificado na experiência comunista, e as sociedades capitalistas, exemplares na democracia e na defesa das liberdades, além de propiciarem a mudança do padrão de vida dos mais necessitados.

Para evitar qualquer mal-entendido, sublinhe-se que a única forma de sociedade socialista existente historicamente de cunho democrático foi a social-democrata, que se afastou da violência revolucionária, da subversão da democracia, defendeu a economia de mercado, chegando a sustentar, na formulação de Eduard Bernstein e do velho Engels, as sociedades por ações, capitalistas, equiparando-as a formas socialistas de organização da economia.

Lá, onde o socialismo/comunismo se realizou, a experiência foi atroz. A ex-União Soviética foi um exemplo de emprego da violência não apenas para a conquista do poder, mas para a repressão sistemática de toda a sociedade. Soviéticos eram nada mais do que servos do Partido Comunista. Os resultados foram o apagamento das liberdades, os campos de educação forçada, os Gulags, com todo o seu morticínio, e a fome produzida, como o Holodomor na Ucrânia nos anos 1932-1933. A China de Mao seguiu o mesmo caminho, eliminando 60 milhões de pessoas, disseminando a fome e a repressão. No Camboja, os comunistas se superaram: eliminaram, com planejamento, 50% de sua população, e foram celebrados, entre outros, por intelectuais franceses. A lista é longa.

A Coreia do Norte é outro anacronismo histórico, como exemplo de ditadura totalitária.

Mais perto de nós, temos a ditadura comunista/castrista em Cuba, com repressão, fome, tortura e controle policial de sua população, objeto de encanto da intelectualidade de esquerda no Brasil. E, ao nosso lado, a experiência bolivariana. Eis a realização histórica da Ideia de socialismo/comunismo.

Com o desmoronamento da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, a palavra comunista perdeu o seu charme, tendo sido substituída pela de socialismo. A ditadura de Maduro e, antes dela, a de Chávez denominam-se precisamente de “socialismo do século 21″. Haja ignorância ideológica para sustentar tais posições. Contudo, há um fenômeno interessante aqui. Alguns chegam hoje a dizer, ao arrepio dos fatos e do bom senso, que o Estado bolivariano deformou ou se afastou da ideia ou do conceito de socialismo; e os mais arrojados chegam a sustentar que não se trata de socialismo. São os nostálgicos da ideia utópica de socialismo.

Ora, trata-se, ademais, de um erro filosófico, pois a Ideia, nos dizeres de Hegel e Marx, é nada mais do que o seu processo de realização, expondo em seu desenvolvimento a sua essência. Isto é, a ideia de socialismo/comunismo é o seu processo histórico de efetuação. Ideia sem seu processo, histórico, é uma mera abstração, carente de significado. Sobra somente esta forma específica de fanatismo teológico/político.

Não deveria surpreender, por via de consequência, que o governo Lula contemporize todo o tempo com o ditador Maduro, tendo o presidente afirmado, no passado, que a Venezuela de Chávez exemplificava um “excesso de democracia”. Estamos vendo o seu resultado, com a violência escancarada. O PT nem esconde o seu apoio a Maduro e ao “socialismo”, sendo nisso coerente com sua opção autoritária, antidemocrática. Em suas opções liberticidas e antiocidentais, há também coerência na defesa da violência do Hamas e de sua concepção totalitária, pregando a extinção do Estado de Israel. A organização terrorista acaba de executar 6 reféns, com tiros a sangue-frio na parte de trás de suas cabeças. Alguém viu ou ouviu alguma condenação do PT ou da diplomacia lulista? Calam-se vergonhosamente, expondo sua verdadeira natureza.

Agora, na comemoração do 7 de Setembro, propuseram, e depois recuaram, a participação do MST no desfile, com as Forças Armadas sendo obrigadas a baterem continência a esta organização revolucionária, socialista/comunista. O MST é fiel partidário de Maduro (afinal, defendem o “socialismo”). Desrespeita sistematicamente a propriedade privada, com uso de violência na invasão de terras em todo o País. Lula e os petistas amam o seu boné. Batem eles continência à violência, ao autoritarismo, ao apagamento das liberdades e à destruição da democracia. São “socialistas”.

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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

Opinião por Denis Lerrer Rosenfield

Professor de Filosofia na UFRGS, Denis Lerrer Rosenfield escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

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