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Desperdício na saúde

A existência de 1.158 unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), construídas em todo o País, mas nunca colocadas em funcionamento é mais um exemplo desse mal de que sofre a administração pública

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Por Redação
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Como se não bastasse a escassez de recursos para a saúde pública, da qual dependem as camadas mais carentes da população, o poder público ainda gasta mal aqueles destinados a esse setor de importância vital. A existência de 1.158 unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), construídas em todo o País, mas nunca colocadas em funcionamento, mostrada em reportagem do Estado, com base em dados do Ministério da Saúde, é mais um exemplo desse mal de que sofre a administração pública há muito tempo.

São 165 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), ou prontos-socorros, e 993 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), ou postos de saúde. Estima-se que o Ministério da Saúde investiu em sua construção, desde 2008, cerca de R$ 1 bilhão. O Brasil não gasta pouco em saúde pública, como pode parecer pela má qualidade do serviço prestado por ela – que vai desde a longa espera para consultas, exames, cirurgias e outros procedimentos até a falta de estrutura dos hospitais, obrigados a colocar doentes em macas nos corredores –, mas gasta mal.

O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, resume bem o que se passou com aquelas UPAs e UBSs: elas foram construídas em cidades que delas não precisam e em outras nas quais as prefeituras não têm dinheiro para colocá-las em funcionamento. “Fazer a obra é fácil, o problema é manter (o serviço) funcionando”, afirma ele, e com inteira razão. Só o funcionamento de uma UPA custa R$ 1,5 milhão por mês.

A gestão dessas unidades é municipal, mas aquele custo deve ser dividido entre a prefeitura e os governos estadual e federal. Estes dois últimos é que não têm cumprido inteiramente suas obrigações. Os municípios, ao contrário, vão além delas. De acordo com dados de 2016 do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos de Saúde (Siops), 96% dos 5.570 municípios destinam à saúde mais do que os 15% de sua arrecadação que a lei determina – de 15,1% a 30%. Um pequeno número deles, 379, aplica mais do que o dobro.

As UPAs e as UBSs que viraram elefantes brancos estão longe de ser um fato isolado. Situação semelhante ocorre com o Programa Saúde da Família. Nesse caso, segundo o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, o governo federal estabelece as regras e o número mínimo de profissionais, mas do custo total de cada equipe do programa – que vai de R$ 50 mil a R$ 60 mil – só repassa R$ 10 mil. Mais uma vez, é fácil para a União criar as regras e obrigações de um programa e depois assumir apenas um quinto de seu custo.

No caso das UPAs e UBSs entregues às traças, há um misto de demagogia e irresponsabilidade. Só isso pode explicar a construção de unidades de saúde ou em cidades que delas não precisam ou em outras onde são necessárias, mas não funcionam por falta de recursos para custeio, que é o mais caro, porque a despesa é permanente. Faz-se o brilhareco dos anúncios pomposos de sua construção, depois o foguetório de sua inauguração e os municípios que se arranjem. Como nem sempre eles têm como se arranjar, tudo isso resulta num desperdício criminoso.

Infelizmente essa é uma prática comum a todos os níveis de governo. A construção de hospitais é um exemplo. Muitas vezes, primeiro constrói-se a unidade e depois é que se vai pensar em seu funcionamento. O próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, reconhece que, “além das UPAs e UBSs fechadas, temos equipamentos novos encaixotados e hospitais sem funcionar”.

Já o Programa Saúde da Família é um exemplo do que especialistas ouvidos pela reportagem chamam de centralização do governo federal, marcado por um descompasso entre suas decisões e as reais necessidades dos locais onde elas se aplicam. Esse descompasso acarreta um desperdício de bilhões de reais, recursos que tanta falta fazem ao sistema de saúde pública.