O tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM), considerou “vergonhoso” o episódio da participação do general intendente Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em comício do presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao Estado, o tenente-brigadeiro Ferolla foi duro em sua avaliação. “Caxias está de luto”, disse, referindo-se ao Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro, também conhecido como “O Pacificador”. “A organização militar pura não aceita o que estão fazendo. Militar não deve entrar na política, e a política não pode entrar no quartel, senão vira bando, acabam a hierarquia e a disciplina”, declarou.
Advertência semelhante foi feita pela ministra do STM Maria Elizabeth Rocha, que faz parte do colegiado em uma das vagas reservadas à advocacia. A atitude do intendente Pazuello, “sem dúvida alguma, coloca em xeque a disciplina do Exército”, disse a magistrada em entrevista à BBC Brasil. E acrescentou: “Não é possível que discursos político-partidários adentrem os quartéis, porque isso pode comprometer toda a cadeia de comando”.
Diante dessas manifestações, embasadas no profundo conhecimento das normas militares, como se exige de quem integra a Justiça Militar, fica claro o tamanho da irresponsabilidade protagonizada pelo intendente Pazuello e pelo presidente Bolsonaro no domingo passado.
A gravidade está não somente no ato em si, mas em suas nefastas consequências. O intendente Pazuello sabia muito bem o que estava fazendo ao afrontar a norma das Forças Armadas que proíbe terminantemente qualquer manifestação de caráter político por parte de militares. Um general não pode alegar desconhecimento desse regulamento; logo, Pazuello o fez de caso pensado. Foi convidado a ir a um ato político do presidente e, estimulado a participar ativamente da manifestação, não hesitou em fazê-lo, sorridente e falante, em cima de um carro de som.
O resultado disso é óbvio: se um general participa de ato político, como fez Pazuello, e não é punido pelo Alto Comando, “acabou a disciplina nas Forças Armadas, porque o tenente, o sargento e o cabo têm sido punidos dentro da lei” e “não pode ser diferente com general”, como explicou o tenente-brigadeiro Ferolla. Quanto mais alta a patente, como é o caso de Pazuello, “mais grave é a indisciplina”, disse Ferolla, porque obviamente é ele quem tem de dar o exemplo para seus subordinados. “Queira ou não queira, isso reflete na organização militar. Se (Pazuello) não for punido, como você vai punir um sargento depois?”, questionou o tenente-brigadeiro.
O afastamento dos militares da política é um imperativo constitucional. Forças Armadas são uma instituição de Estado por definição, razão pela qual não podem tomar partido do governante de turno em suas eventuais disputas políticas. O problema é que, na Presidência de Jair Bolsonaro, é cada vez mais tênue a separação entre as Forças Armadas e o governo.
Até aqui, esse envolvimento se deu pela presença de muitos militares, da ativa e da reserva, em Ministérios e outros órgãos da administração, além de estatais. Ao colocar o intendente Pazuello em seu palanque, no entanto, o presidente Bolsonaro foi muito além disso: tentou mostrar que os militares estão alinhados a ele, e não é à toa que frequentemente chama as Forças Armadas de “meu Exército”.
Mesmo diante da escalada da crise, estimulada por Bolsonaro com objetivos golpistas, as Forças Armadas vêm se mantendo estritamente dentro dos limites constitucionais, e não há razão para crer que não continuarão assim. Isso não significa, contudo, que Bolsonaro, cuja medíocre carreira militar foi marcada pela indisciplina, sossegará; ao contrário, é provável que ele siga tentando arrastar as Forças Armadas para as turbulências que trabalha dia e noite para produzir, na expectativa de submetê-las a seu projeto autoritário de poder.
A punição ao general intendente Pazuello é, por isso, essencial para mostrar que há uma linha que não pode ser cruzada, seja pelo praça, seja pelo comandante supremo das Forças Armadas.