Imagem ex-librisOpinião do Estadão

É hora de uma nova direita

Contaminado pela inelegibilidade, pelo indiciamento e pela fadiga do seu reacionarismo, Bolsonaro vê hoje o fortalecimento de alternativas ao seu nome na direita. Boa notícia para o País

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

Se ainda tentava encontrar meios de dar prova de vida enquanto sonhava com uma anistia que lhe devolvesse as credenciais políticas e eleitorais, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve suas chances drasticamente reduzidas com a nova condição de indiciado. Embora sejam incertos os desdobramentos do indiciamento apresentado pela Polícia Federal – dele e de outras 36 pessoas do seu entorno pelo envolvimento numa suposta tentativa de golpe de Estado destinado a impedir a posse do presidente Lula da Silva –, há pelo menos uma certeza: o flagrante enfraquecimento político de Bolsonaro.

Os bolsonaristas mais fiéis costumam usar o exemplo de Lula da Silva – que cumpria pena de prisão por corrupção, de lá saiu em razão de questões processuais, ganhou a eleição e hoje é novamente presidente – para alimentar a esperança de que Bolsonaro, uma vez favorecido por uma anistia que lhe permita disputar eleições, possa voltar ao poder nos braços do povo. Mas há uma diferença essencial entre os dois casos: Lula não tinha (como não tem) herdeiros evidentes à altura; já no caso de Bolsonaro há um congestionamento de candidatos razoavelmente viáveis para herdar seus eleitores. Os bolsonaristas, contudo, não entregam os pontos e, sobretudo os filhos do capitão, desautorizam de forma agressiva quem quer que ouse se apresentar como o líder do bolsonarismo sem Bolsonaro.

Mas a realidade parece cada vez mais contrariar a vontade dos devotos de Bolsonaro. É claro que, mesmo fora da cédula eleitoral na próxima disputa presidencial, o ex-presidente ainda é um portento eleitoral, mas é inegável que sua capacidade de ditar os rumos da direita se reduziu drasticamente – e a prova disso é que seus enroscos judiciais são cada vez mais um assunto da família Bolsonaro e cada vez menos um assunto do Centrão.

O fato, portanto, é que a direita está diante de dois caminhos possíveis: o bolsonarismo golpista de um lado; e o liberalismo e a democracia de outro. Alguns candidatos a substituir Bolsonaro ainda titubeiam entre um e outro, caso, por exemplo, do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ao comentar o indiciamento do ex-presidente, Tarcísio disse que a acusação “carece de provas” e que Bolsonaro “respeitou o resultado da eleição e a posse aconteceu em plena normalidade e respeito à democracia”. Ora, o inquérito corre sob sigilo, razão pela qual não é possível dizer se há provas ou não. E é escarnecer da inteligência alheia dizer que Bolsonaro respeitou o resultado da eleição, quando todos sabem que ele se recusou a passar a faixa a Lula e que seus seguidores tocaram o terror em Brasília nos dias imediatamente anteriores e posteriores à posse do petista. Sobrou desrespeito à democracia.

Se o governador Tarcísio hesita, este jornal não. Desde sempre, o Estadão deixou claro que o bolsonarismo é basicamente reacionarismo, um extremismo destrutivo e orgulhosamente delinquente, que prospera somente num ambiente de conflagração. É, portanto, a negação da direita liberal, que é democrática, sustenta-se nas ideias republicanas e pugna pela manutenção das instituições. Os candidatos a liderar essa direita precisam saber que ainda estão para nascer sociedades mais bem-sucedidas do que aquelas ancoradas em direitos e liberdades individuais e coletivos, em sistemas de freios e contrapesos, em democracias liberais que buscam uma alocação eficaz de recursos e meios de oferecer competividade e produtividade.

Não é improvável que vejamos esses dois caminhos bifurcados em 2026. Que tenhamos em 2026 uma direita que expresse o cansaço de parcela considerável do Brasil com o modo bolsonarista de fazer política – assim como é desejável, embora improvável, uma esquerda moderna, com visão atualizada dos problemas que o País precisa enfrentar. Hoje pagamos a conta tanto do modelo de implosão do sistema político e de agressividade e ataque às instituições que marcam o bolsonarismo quanto do pensamento rupestre na forma de gerir o Estado que marca o lulopetismo. Mas há uma boa notícia pelo menos em relação ao primeiro: a perda de vitalidade de Bolsonaro pode acelerar o processo de superação dessa fase tenebrosa da história brasileira.