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É preciso um novo Código?

O novo governo não deve deixar-se seduzir pela ideia de patrocinar um Código até certo ponto desnecessário, concentrando-se na tarefa prioritária das reformas estruturais

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Por Notas e Informações
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Um dos problemas que o governo do presidente Jair Bolsonaro deverá enfrentar, na área jurídica e econômica, envolve o projeto de reforma do Código Comercial, que acaba de ser aprovado por uma comissão especial do Senado e pode ser colocado em votação nas primeiras sessões legislativas de 2019. Trata-se de uma herança do governo de Dilma Rousseff, cujo ministro da Justiça propôs a substituição do Código Comercial promulgado em 1850, na época do Império, e que continua em vigor até hoje, com normas eficazes apenas em matéria de direito marítimo. As demais matérias são tratadas por leis especiais, como a Lei de Sociedade Anônima e a Lei de Recuperação de Empresas, e pelo Código Civil, que entrou em vigor em 2003.

Com quase mil artigos, o projeto define tipos de sociedade comercial e trata de temas que vão das formas de contrato a regras que disciplinam direito societário, direito empresarial, direito cambial e agronegócio. Os defensores do projeto alegam que, por ter sido elaborado com um viés liberal, reduzindo ao máximo a intervenção do Estado na relação entre as empresas, ele se enquadra nas propostas de governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. E, dentro da equipe do novo governo, há quem pense do mesmo modo. Um dos autores do projeto, o jurista Fábio Coelho, lembra que, em nome da proteção das partes mais fracas, a liberdade de contratar foi limitada no final do século 20 pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil. Acompanhando as mudanças da década de 2010, o projeto representaria um processo de “reliberalização” da legislação comercial. “Hoje, por exemplo, os quóruns de deliberação nas empresas podem ser de mais da metade, de três quartos, etc. O projeto do novo Código determina que as partes definirão os quóruns”, afirma Coelho. “A ideia não é tratar com minúcia todas as situações que possam surgir, mas apenas estabelecer princípios básicos”, argumenta Arnold Wald, que também trabalhou na redação do projeto.

Nos meios empresariais e forenses, contudo, o projeto não foi bem recebido. Os críticos alegam que, ao eliminar a antiga distinção entre obrigações civis e obrigações comerciais, o Código Civil tornou desnecessária a elaboração de um novo Código Comercial. Além disso, como as empresas já se adaptaram à legislação em vigor, a necessidade de se adaptar a um novo Código Comercial acarretará gastos vultosos, como disse, em entrevista ao jornal Valor, a gerente jurídica da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Tatiana Abranches. “Uma nova lei sempre gera conflitos, judicialização e nova jurisprudência, o que traz insegurança jurídica e afasta investimentos”, afirma Cássio Borges, superintendente jurídico da Confederação Nacional da Indústria. Nos meios forenses, a opinião generalizada é de que a aprovação de um novo Código Comercial não traz “resultados práticos”. Essas críticas também são feitas por instituições financeiras e especialistas em direito bancário. Além disso, como o projeto aprovado pela comissão especial do Senado regulamenta as chamadas sociedades uniprofissionais, comuns entre médicos, engenheiros e arquitetos, por exemplo, se for aprovado ele também levará a conflitos judiciais na área do direito tributário, por conta de confrontos entre essas categorias e as prefeituras em matéria de cálculo do Imposto sobre Serviços.

Independentemente do que os responsáveis pela área jurídica do governo Dilma almejavam, quando propuseram um novo Código Comercial, e das intenções dos juristas que integraram a comissão encarregada de escrevê-lo, uma coisa é certa: os meios empresariais estão satisfeitos com a legislação em vigor, seus pontos polêmicos já foram discutidos nos tribunais superiores, precedentes foram abertos e já há uma jurisprudência racional e uniforme formada. Por isso, o novo governo não deve deixar-se seduzir pela ideia de patrocinar um Código até certo ponto desnecessário, concentrando-se na tarefa prioritária das reformas estruturais, começando pela previdenciária.