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Elizabeth cumpriu o seu papel

Exercendo seus deveres com temperança, ela encarnou a unidade e a continuidade de sua nação e foi exemplo para o mundo

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Por Notas & Informações
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Quando Elizabeth nasceu ninguém esperava que se tornasse monarca. Mas seu reinado foi o mais longo da história do Reino Unido e o segundo mais longo da história mundial. Aos 10 anos, com a abdicação de seu tio, Eduardo VIII, tornou-se abruptamente a primeira na linha da sucessão. Aos 25, foi consagrada “Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e de Seus outros Reinos e Territórios, Cabeça da Comunidade das Nações, Defensora da Fé” ou simplesmente “a Rainha”. Nada menos – mas também nada mais. 

É compreensivelmente difícil para as populações do Novo Mundo reservarem às monarquias hereditárias do Velho Mundo mais do que o cinismo ou a irreverência devidos a relíquias anacrônicas ou aos fantasmas inofensivos e pitorescos de instituições medievais sepultadas nos idos da Revolução Francesa.

Nas monarquias constitucionais o poder real está nas mãos do povo e é exercido por seus representantes no Parlamento. O poder da Coroa é puramente simbólico. Mas esse símbolo representa a vontade única da Nação, e a unção sacramental do monarca simboliza que essa vontade serve a um poder maior e sumamente benevolente. Enquanto é “Ser Supremo”, na Declaração dos Direitos do Homem francesa, “Criador”, na Declaração de Independência americana, ou “Deus”, na Constituição brasileira, na Constituição não escrita britânica ele é tudo isso e mais, é também Jesus Cristo. Mais do que um dever institucional, para Elizabeth esse serviço foi uma devoção pessoal. “Para mim a vida de Jesus Cristo, o Príncipe da Paz, é uma inspiração e uma âncora. Modelo de reconciliação e misericórdia, ele estendeu suas mãos com amor, aceitação e cura.”

Elizabeth não foi estadista, menos ainda santa. Ela não praticou heroicamente a caridade, muito menos fez milagres. Não governou, e, para sermos honestos, qual teria sido sua real contribuição para a paz e a prosperidade mundiais? Ela só “representou”, no sentido teatral do termo, essas aspirações. Nada mais – mas também nada menos. É precisamente por não ter nenhum poder real sobre o Estado ou a Igreja que o monarca pode encenar seu papel de servo do povo, como chefe de Estado, e servo dos servos de Deus, como cabeça da Igreja.

“Quero pedir a vocês, qualquer que seja a sua religião, para rezarem por mim”, rogou Elizabeth na coroação, “para que Deus me conceda sabedoria e força para sustentar as promessas solenes que farei, e para que eu sirva fielmente a Ele e a vocês, todos os dias de minha vida.” Na maior parte deles, assim o fez. Protagonizando seu papel com graça, temperança e decência, ela encarnou para seu povo a unidade de propósito em meio à multiplicidade de visões, a continuidade em meio às mudanças.

Sua última foto, a dois dias de sua morte, quando “conferiu”, pela 14.ª vez, o governo à nova primeira-ministra, Liz Truss, a mostra lúcida, feliz e trabalhando. Ela foi uma mãe, depois uma avó e até uma bisavó para os britânicos. Seu senso de dever foi um exemplo para toda a família das nações, e por isso elas se unem a eles em suas orações para que Deus salve a rainha.