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Emenda indecente

Reeleição ilimitada da Mesa Diretora da Câmara de São Paulo trai princípios republicanos e cidadania

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Por Notas & Informações
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Ofende diversos princípios republicanos, a começar pela necessária alternância no poder, a recente aprovação, pela Câmara Municipal de São Paulo, da possibilidade de reeleição ilimitada de sua Mesa Diretora.

Chama a atenção, sobretudo, o fato de que o texto da emenda à Lei Orgânica de 1990 foi aprovado, no dia 1.º passado, por 46 dos 55 vereadores. Apenas a bancada do PSOL se opôs. Ou seja, a possibilidade de eternização de um ou outro grupo político na direção da Câmara paulistana não parece ter incomodado a maioria absoluta dos vereadores – o que autoriza especular toda sorte de intenções subjacentes, nenhuma delas boa.

Recorde-se que a medida foi tomada sob a presidência do sr. Milton Leite, veterano vereador da Casa, que está no seu sétimo mandato. O parlamentar é habitué do poder em São Paulo: presidiu a Câmara em 2017 e 2018 e voltou ao cargo em 2021. Desde então está lá, removendo os obstáculos legais para sua perpetuação na presidência da Casa – um deles, o que não permitia uma segunda reeleição consecutiva, foi alterado no ano passado. Como não parece ter nenhuma intenção de deixar o cargo ao final do atual mandato, o sr. Milton Leite fez encaminhar o tal projeto de reeleições infinitas, ao estilo do chavismo venezuelano. E, claro, já é candidato à reeleição em dezembro, numa votação que, a julgar pelo placar acachapante obtido pela medida casuística recém-aprovada, será apenas um procedimento burocrático para sua recondução.

É legítimo perguntar qual é a razão para que os vereadores de São Paulo em peso, à esquerda e à direita, tenham facilitado a cristalização do grupo político representado pelo sr. Milton Leite no poder. Não deve haver uma única resposta para essa questão, mas, seja ela qual for, há uma única certeza: a possibilidade de reeleições sem limite para a presidência da Câmara é péssima para a democracia e o espírito republicano, ao forjar uma relação semifeudal entre o comando suserano da Casa e os vereadores avassalados.

Sendo o presidente da Câmara o responsável por determinar o andamento da agenda de votações, é preciso que ele atue segundo o interesse público, mas nada nesse arranjo que agora se concretizou permite supor que esse interesse prevalecerá. É mais provável que impere o compadrio, quando não coisa pior.

Há quem diga que o sr. Milton Leite é hoje o político mais poderoso da cidade de São Paulo, quase tanto quanto o prefeito, com forte influência no setor de transporte público e com ramificações inclusive no governo do Estado. Assim, explica-se o apoio de que esse vereador desfruta na Câmara, mas tal domínio é obviamente uma aberração – que, além de tudo, dificulta sobremaneira o surgimento de novas lideranças políticas na cidade mais rica do País. Ou seja, a recondução ilimitada do presidente da Câmara pode atender aos objetivos imediatos e paroquiais de quase todos os partidos, mas, na prática, amarra-os aos caprichos e favores de um único político e inibe a legítima disputa democrática pela condução do processo legislativo. Em resumo, um desastre.