Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Emergência permanente

Caso do Perse mostra como é difícil acabar com benefício, mesmo que não se justifique mais

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

A Câmara aprovou em votação simbólica, no dia 23 passado, o projeto de lei que reformula o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Criado em maio de 2021, num momento dramático da pandemia de covid-19, o Perse se prestava originalmente ao socorro financeiro a empresas de alguns dos segmentos econômicos mais afetados pela tragédia sanitária, como os setores de turismo, produção teatral, produção musical, bares e restaurantes, entre outros. Porém, o que fazia sentido há quase três anos, hoje, como é notório, já não tem a menor razão de existir.

O Perse não deveria ter sido reformulado pelos deputados. O programa deveria ter sido extinto – como, aliás, defendeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando o presidente Lula editou uma medida provisória, em fins de 2023, que, entre outras providências, retomava a cobrança do PIS, Cofins e da CSLL (a partir de 1.º de abril deste ano) e do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (a partir de 2025) para todas as empresas beneficiadas pelo Perse, de acordo com a Classificação Nacional das Atividades Econômicas (Cnae). Mais de 40 Cnaes foram contempladas no programa.

Mas, se reformulação houve, que ao menos tivesse começado pelo nome do programa, até por questão de honestidade com os contribuintes e, não menos importante, respeito à inteligência alheia. Evidentemente, o Perse não é mais “emergencial” porque, ora vejam, a emergência sanitária já passou. Menos ainda o programa se presta à “retomada” do setor de eventos. Como qualquer cidadão pode observar, esse setor está tão ou mais pujante do que nas vésperas da eclosão da pandemia de covid-19. Ingressos para shows, cinema e teatro são vendidos como pão quente. O mesmo vale para os estádios de futebol. Na capital paulista, por exemplo, bares e restaurantes, uma marca da cidade, têm um público que faz da pandemia de covid-19 não mais que uma triste lembrança.

Embora o número de Cnaes beneficiadas pelo Perse tenha caído para 30 nessa reformulação, ante as 44 originais, trata-se de um volume ainda muito alto para um programa de socorro financeiro que – é preciso enfatizar – nem sequer deveria estar vigente. O custo dessa cortesia com chapéu alheio é estimado em R$ 15 bilhões nos próximos três anos.

A permanência desse Perse reformulado é mais um típico caso de auxílio pontual que se perpetua ao longo do tempo como privilégio de difícil desmame (i) por força do lobby dos setores beneficiados no Congresso e (ii) pelo interesse político-eleitoral de seus patronos nas Casas Legislativas. O autor do projeto de lei, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), e a relatora da matéria na Câmara, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), juram de pés juntos que o Perse segue valendo por si só. Se valeu, não vale mais. O que está em jogo é o interesse eleitoral dos parlamentares, seja o imediato, com vista à eleição deste ano, seja a médio prazo, pensando na eleição geral de 2026.

Para a turma que não abre mão de um naco do Estado, livre mercado é bom só até a página dois.