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Opinião|A filantropia para causas estratégicas

Os indivíduos também podem ter um papel no fortalecimento da sociedade civil, na defesa das causas que lhes interessam.

Por Inês Mindlin Lafer

Num país de desigualdades, de democracia cambaleante e carências na garantia de direitos e no controle e na transparência dos agentes públicos, a filantropia abre caminho para uma sociedade mais plural, sustentável e menos desigual.

Hoje é possível pensarmos a filantropia no Brasil em duas grandes frentes. Uma é aquela voltada para a assistência, para as necessidades imediatas, e ações emergenciais. A outra é voltada para a garantia de direitos difusos e coletivos – temos chamado esta segunda frente de filantropia voltada para causas estratégicas. Essas duas frentes se somam e se complementam.

A filantropia no Brasil começa pelas mãos das organizações religiosas, especialmente católicas, uma das razões pelas quais a maioria associa filantropia à ideia de caridade, de fazer o bem, de ajudar o próximo, com base em ideais e valores religiosos.

Este tipo de filantropia foi e é importante para o desenvolvimento de políticas de assistência social no Brasil, assim como para o enfrentamento da pobreza, das injustiças e das desigualdades. Sem a Pastoral da Criança, por exemplo, não teríamos montado um protocolo tão eficaz para o combate à mortalidade infantil. Como não reconhecer sua importância nas campanhas do soro caseiro, da pesagem, do pré-natal e da vacinação?

Às organizações assistenciais e religiosas se somaram as ONGs, sem fins lucrativos, apoiadas por recursos de organizações internacionais ligadas a partidos, sindicatos, governos e igrejas europeias – fundações com capilaridade internacional e preocupadas com a situação de vulnerabilidade dos povos em países em desenvolvimento.

Com elas emergiu uma conscientização de grupos da sociedade civil ante ideais de justiça, de garantias de direitos e defesa da democracia diante de governos autoritários. A Constituição de 1988 é herdeira dessa preocupação.

Esta luta ajudou a desenhar a ideia de que a política pública seria feita com a contribuição da sociedade civil organizada – não apenas nos espaços formais de participação (como conselhos e audiências públicas), mas também em organizações capazes de prestar assistência em saúde e educação, por exemplo, em atuação voltada tanto para indivíduos quanto para causas relacionadas à defesa dos direitos de todos, os chamados direitos difusos e coletivos.

Nestes direitos difusos está uma gama imensa de causas: populações indígenas, enfrentamento do racismo e da discriminação de gênero, preservação dos recursos naturais, defesa da própria democracia e dos valores republicanos, entre muitas outras.

É importante ressaltar que a filantropia não substitui a ação dos governos. Sua missão é complementar políticas públicas, é fazer com que as leis e as ações do Estado cheguem cada vez mais, e de forma mais eficiente, a quem precisa. É contribuir para que governos sejam mais responsáveis e eficientes.

Tomo emprestada uma ideia do cineasta – e também ativista – Fernando Meirelles: a maioria das decisões que importam são públicas. Do tipo de química permitida na agricultura e na produção de alimentos à matriz energética utilizada. Do sistema de impostos adotado às próprias regras do sistema político. É por essa e outras razões que é tão importante termos organizações influenciando tais decisões em nome do interesse da maioria da sociedade, e não apenas de um grupo reduzido de empresas, conglomerados religiosos e dinastias de políticos.

Há diferentes formas de contribuir, e não passam apenas por empresários milionários (ou bilionários), grandes empresas e grandes fortunas, fundações e institutos de enormes recursos. Claro que é importante que grandes empresas e fortunas apoiem e financiem ONGs por meio de seus institutos, fundações e family offices, mas elas trabalham com suas agendas, prioridades e limites.

O fato é que os indivíduos também podem ter um papel no crescimento e no fortalecimento da sociedade civil, na defesa das causas que lhes interessam. E há várias maneiras de contribuir: com trabalho voluntário, com conexões e com doação de recursos financeiros. O problema é que, embora no cume da pirâmide se encontre um grupo reduzido de pessoas, no topo já encontramos muita gente que não costuma se identificar neste lugar. Segundo o IBGE, se você ganhou em 2020 R$ 15,8 mil por mês, na média, pode se considerar parte do 1% mais rico do País. É possível até que você não considere isso uma grande remuneração, mas é bastante significativa, se comparada aos 50% que ganham menos, cujo rendimento médio é de R$ 453 mensais, de acordo com o mesmo IBGE.

Ainda que o potencial de doação não seja igual ao das grandes fortunas, a soma das doações de muitos indivíduos pode fazer a diferença. Não temos a possibilidade de mudar tudo, mas temos a chance de mudar algumas coisas. Há quem possa assumir esse protagonismo, e possivelmente se surpreenderá com os resultados. A doação de recursos, neste caso, é capaz de mudar vidas – a vida de quem ajudamos e também a de quem ajuda.

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DIRETORA DO INSTITUTO BETTY E JACOB LAFER, IDEALIZADORA DO CONFLUENTES (CONFLUENTES.ORG.BR), É PRESIDENTE DO CONSELHO DO GRUPO DE INSTITUTOS FUNDAÇÕES E EMPRESAS (GIFE)

Opinião por Inês Mindlin Lafer