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Opinião|A pobreza tem um rosto de mulher: a visão da ONU

No contexto de gênero, a desigualdade estrutural significa que as mulheres enfrentam barreiras sistemáticas, que limitam seu acesso a oportunidades e recursos

Por Gina Strozzi

A 68.ª Comissão da ONU sobre a Situação da Mulher, conhecida pela sigla em inglês CSW68 (68th Session of the Commission on the Status of Women), encerrou suas atividades após duas semanas de debates realizados em março, sobre a aceleração da promoção da igualdade de gênero, o combate à pobreza entre mulheres e meninas e o fortalecimento de instituições e acesso a financiamento com uma abordagem de gênero.

No discurso de abertura da conferência, as palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, ecoaram como uma nota de pesar em tom ácido: “A pobreza tem um rosto de mulher”. Guterres apontou ameaças aos direitos femininos, tais como conflitos armados, a influência das tecnologias digitais e a persistência da disparidade salarial.

A realidade exposta e largamente discutida na CSW68 por representantes de governos, técnicos em gênero, líderes, delegações e cientistas do mundo inteiro dedicados ao tema confirmam esse dramático anúncio inicial do secretário-geral.

Em todo o mundo, 10,3% das mulheres vivem em extrema pobreza e têm uma condição mais precária do que os homens.

Dois terços dos adultos analfabetos são mulheres. É crucial garantir acesso à educação e promover a qualidade educacional para assegurar a igualdade de gênero.

Guterres destacou que, mantido o passo atual, levaremos mais de 300 anos para atingir a plena igualdade das mulheres e eliminar o casamento infantil, por exemplo. E ainda: até o ano de 2030, é previsto que mais de 340 milhões de mulheres e meninas continuem vivendo em extrema pobreza, um número que excede em cerca de 18 milhões em comparação com homens e meninos. Esse cenário representa um ultrajante disparate entre os gêneros.

A ONU Mulheres alertou que globalmente uma em cada dez mulheres enfrenta extrema pobreza.

No Brasil, entre os pobres há 32,3% de mulheres, e a taxa de pobres pretas e pardas é de 41,3%, quase o dobro das brancas (21,3%). É o que indicam os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022.

“O que as pessoas se tornam mais tarde na vida depende do que acontece mais cedo”, disse ainda o secretário-geral da ONU, complementando o seu discurso de abertura.

Diante desse cenário, é essencial reconhecer que as mulheres enfrentam desigualdades estruturais que as colocam em maior risco de pobreza.

Essas desigualdades se referem a disparidades persistentes e sistêmicas que são incorporadas nas instituições, políticas e práticas sociais de uma sociedade. No contexto de gênero, a desigualdade estrutural significa que as mulheres enfrentam barreiras sistemáticas, que limitam seu acesso a oportunidades e recursos.

Isso pode se manifestar em várias formas, como disparidades salariais, acesso desigual à educação e saúde, falta de representação em cargos de liderança, normas sociais discriminatórias e violência de gênero.

Essas desigualdades são profundamente enraizadas nas estruturas sociais, econômicas e políticas, e muitas vezes são reforçadas ao longo do tempo, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão para as mulheres.

Para abordar a desigualdade estrutural de gênero, é essencial implementar políticas e práticas que promovam a igualdade de oportunidades, com empoderamento econômico e social das mulheres, além de desafiar e transformar as normas e sistemas que mantêm a desigualdade.

Diante desses desafios, no entanto, também emergem inúmeras possibilidades de avanços e mudanças. Com a implementação de políticas e práticas inclusivas, a promoção do empoderamento feminino e a quebra de normas discriminatórias, podemos vislumbrar um futuro em que a igualdade de gênero seja uma realidade.

Isso inclui medidas como a promoção da igualdade salarial, o fortalecimento dos direitos das mulheres, a implementação de políticas de conciliação entre trabalho e vida pessoal, o combate à violência de gênero e a promoção de uma representação equitativa das mulheres em todos os setores da sociedade.

A luta contra a desigualdade estrutural requer um compromisso contínuo e abrangente para transformar as estruturas e sistemas que perpetuam a discriminação de gênero e garantir a igualdade de oportunidades para todas as pessoas.

Cada passo em direção à justiça social e à equidade representa uma oportunidade de transformar as estruturas que alimentam a desigualdade, oferecendo um horizonte de esperança e progresso para todas as mulheres, e, consequentemente, para toda a sociedade.

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PSICÓLOGA, CONSULTORA CORPORATIVA, FOI DELEGADA DA ONU NA CSW68

Opinião por Gina Strozzi

Psicóloga, consultora corporativa, foi delegada da ONU na CSW68