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Opinião|A sustentabilidade dos beneficiários nos planos privados de assistência à saúde

Urge que a sociedade discuta que cobertura deverá ser assegurada e quanto ela está disposta a pagar

Por José Luiz Toro da Silva

Em recente artigo no Valor Econômico, a presidência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) chamou atenção para os elevados custos do setor de saúde suplementar, principalmente porque, desde a aprovação da Lei 14.307/2022 (ano de eleição), as “tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), instituída pela Lei 12.401/2011, cuja decisão de incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS) já tenha sido publicada, serão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no prazo de 60 dias”. Muitas vezes, aludidas tecnologias se referem a medicamentos aprovados de forma precária pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), destinados a doenças raras que não chegaram à fase três de pesquisa clínica (última etapa). Todavia, os planos de saúde são obrigados a comprar tais novas tecnologias incorporadas pelo SUS observando os preços impostos pela indústria farmacêutica, não lhes servindo, por consequência, os estudos e negociações sobre custo-efetividade que foram realizados pelo sistema público, que pode comprar com descontos expressivos e, em muitas situações, após o estabelecimento de acordo de compartilhamento de riscos, na hipótese de aludidas tecnologias não apresentem, em casos concretos, a eficácia que se espera, pois se tratam de medicamentos que, apesar de aprovados pela Anvisa sem o esgotamento de todo o processo de análise, são considerados “experimentais”, ou seja, precisam ser melhor avaliados, inclusive com referência aos efeitos adversos que podem resultar, aumentando, ainda mais, o custo do cuidado com a saúde, bem como se eventual sobrevida não resultará em maiores sofrimentos para o paciente e seus familiares.

Além da mencionada mudança legislativa, muitas coberturas impostas aos planos privados de assistência à saúde decorrem de decisões judiciais, na maioria das vezes em sede de medidas liminares ou tutelas de urgência, sem ampla discussão de cada caso em particular, inclusive com referência a coberturas que não são oferecidas pelo SUS, ou seja, medicamentos que não foram avaliados ou foram rejeitados pela Conitec.

Nesse aspecto, os planos de saúde, muitas vezes, são obrigados a realizar coberturas que nem mesmo o SUS cobre e que não constam do Rol de Procedimentos e Eventos da ANS, com fundamento em uma “cobertura extra rol”, decorrente da Lei 14.454, que também foi aprovada em 2022, ano de eleição, sem uma ampla discussão com a sociedade e avaliação dos impactos econômicos da medida. Aliás, aludida lei está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de avaliar a sua inconstitucionalidade.

Ocorre que, todas essas coberturas, no afã de proteger os beneficiários dos planos de saúde, estão levando à insustentabilidade desse setor, porque os beneficiários não estão conseguindo pagar os seus planos de saúde quando aludidas coberturas são repassadas, através do reajuste por sinistralidade, para os seus preços, tendo em vista o princípio do mutualismo – pois em decorrência da socialização do risco ocorre a repartição de todos os custos, como se fosse um verdadeiro “condomínio”. Registre que mesmo nas operadoras de autogestão de saúde, que não possuem finalidade lucrativa, seus participantes não estão conseguindo pagar a conta do plano de saúde.

Portanto, urge que a sociedade discuta que cobertura deverá ser assegurada e quanto ela está disposta a pagar, porque esses novos fármacos e tecnologias, em face de seus altos custos, estão inviabilizando a sustentabilidade desse setor.

Veja que, além do alerta do presidente da ANS, o ministro Gilmar Mendes, do STF, em decisão prolatada em 27 de agosto de 2024, ao analisar reclamação apresentada para o fornecimento de medicamento, ainda não registrado na Anvisa, para tratamento de criança com distrofia muscular de Duchenne, no âmbito do SUS, chamou atenção da sociedade para a sustentabilidade do mencionado tratamento, asseverando que: “É evidente que o reclamante assim como todos os portadores de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) possuem o direito de receber atenção médica especializada e tratamento adequado para essa grave patologia. No entanto, manifesto minha preocupação em equilibrar a concretização desse direito com os interesses de todos os brasileiros que dependem do SUS, cuja operação pode ser seriamente prejudicada pela multiplicação de ações semelhantes. Portanto, é fundamental que o Judiciário atue com responsabilidade e cautela, buscando alternativas que assegurem o acesso da população às terapias prescritas sem comprometer o equilíbrio financeiro do sistema público de saúde”. E acrescenta que é “preciso ter em mente que, como informa a União, caso fossem deferidos todos os pedidos formulados nas ações em curso (55), o custo estimado para o sistema público de saúde, na atual conjuntura, seria de R$ 1.155.000.000,00 (um bilhão e cento e cinquenta e cinco milhões de reais), o que seria totalmente insustentável para o SUS”.

Ora, aludida situação de insustentabilidade também prospera na saúde suplementar, lembrando que serão os beneficiários e as empresas que pagam, total ou parcialmente, o plano de saúde de seus empregados que irão pagar essa conta, em face do mutualismo existente, pois a maioria dos contratos são coletivos empresariais ou por adesão, e que o índice anual de reajuste estabelecido pela ANS somente se aplica aos contratos individuais/familiares, que são minoria. A conta chegará, se já não chegou.

Não estamos discutindo a sustentabilidade das operadoras, apesar de mais de 60% delas terem menos de 20 mil beneficiários, mas a falta de capacidade de pagamento dos beneficiários e empresas contratantes. Se os beneficiários não conseguirem pagar a sinistralidade apurada, essas empresas irão quebrar, sairão do mercado ou serão submetidas a regimes de direção fiscal ou liquidação extrajudicial pela ANS, bem como elas não conseguirão pagar a rede prestadora de serviços. Esse caos já está ocorrendo, em muitas situações.

Urge, portanto, que sejam revistas as Leis n.º 14.307 e 14.454, principalmente para obrigar a indústria farmacêutica a disponibilizar para as operadoras de planos de saúde os mesmos valores, descontos e acordos de compartilhamento de risco que servirão para a análise do custo-efetividade estabelecido com o SUS, bem como que sejam criados fundos públicos para arcar com os medicamentos para doenças raras e super-raras, pois esses medicamentos de altíssimo custo vem chegando ao Brasil com valores que poderão inviabilizar a sustentabilidade dos planos privados de assistência à saúde, principalmente a capacidade de pagamento de seus beneficiários e empresas contratantes, pois serão esses que irão pagar a conta, no final do ciclo. E eles já não estão suportando o alto custo dos planos de saúde.

O alerta do presidente da ANS e a decisão prolatada pelo ministro Gilmar Mendes demonstram que a sociedade não consegue arcar com os mencionados custos, nas áreas pública e privada, impondo-se uma urgente revisão do sistema de cobertura. Impõe-se uma ampla discussão pela sociedade, com coragem e determinação, e não com simples intuito eleitoreiro.

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ADVOGADO, É MESTRE, DOUTOR E PÓS-DOUTOR EM DIREITO

Opinião por José Luiz Toro da Silva

Advogado, é mestre, doutor e pós-doutor em Direito