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Opinião|Apagões, lá e cá

A experiência da Flórida ensina que, na sequência de desastres naturais, importante é identificar as fragilidades e adotar estruturas e procedimentos resilientes para enfrentar futuros extremos climáticos

Em 2017, o Furacão Irma causou um apagão na Flórida que deixou sem energia elétrica 90% dos 5 milhões de consumidores da Florida Light and Power. Em poucos dias o serviço foi restabelecido para a maioria da população. Mas houve quem ficasse sem eletricidade por dez dias. Curiosamente, a concessionária festejou esse resultado porque, anos antes, em 2005, depois do Furacão Wilma, o restabelecimento pleno do serviço havia durado 18 dias. No intervalo entre os dois furacões, a concessionária havia adotado alguns procedimentos preventivos. Por exemplo, a substituição de postes frágeis por robustos e a adoção de um pacto de solidariedade com outras concessionárias para ajuda mútua nas emergências climáticas.

Apesar desses aperfeiçoamentos, não se pôde minimizar o transtorno causado pelo Irma. Há disputas judiciais que perduram até hoje. Na Flórida, assim como em São Paulo, a proposta de enterrar toda a rede de distribuição não prosperou porque o aumento tarifário decorrente do vultoso investimento seria politicamente inviável.

A experiência da Flórida ensina que, na sequência de desastres naturais, convém não focar apenas na busca de eventuais culpados, que podem até não existir. Mais importante é identificar as fragilidades atuais e adotar estruturas e procedimentos resilientes para o enfrentamento de futuros extremos climáticos. É preciso estar preparado para prevenir, ou pelo menos rapidamente remediar, os danos às redes de distribuição causados por intensas rajadas de vento.

O aparente novo normal climático pode causar diversas outras emergências, como o intenso consumo de eletricidade, acima da capacidade do sistema, por efeito de picos de temperatura. Não é intenção deste artigo ser exaustivo no assunto. Focando apenas em longas interrupções do fornecimento causadas por quedas de árvore, como ocorreu recentemente em São Paulo, o senso comum sugere ao menos três providências: 1) melhorar a articulação entre as concessionárias e as administrações municipais, tanto para a adoção de uma sistemática eficaz para a poda de árvores (hoje há muita burocracia) quanto para a substituição das árvores debilitadas por árvores baixas e robustas; 2) estabelecer a ajuda mútua entre concessionárias e suas terceirizadas nos momentos de crise, a exemplo da Flórida; 3) substituir ou reparar postes com risco estrutural e disciplinar o seu uso compartilhado com empresas de telecomunicações, tanto para acabar com o cipoal de fios que enfeiam a paisagem urbana quanto para agilizar procedimentos de substituição de redes de ambos os setores durante as emergências.

São investimentos e mudanças operacionais que, se implementados, aumentariam o custo do serviço e causariam aumentos tarifários. Só que grande parte dos consumidores já gasta uma parcela muito elevada da renda familiar com a conta de luz. Aumentar ainda mais significaria turbinar a inadimplência e a incidência de furto de energia. É preciso encontrar na composição tarifária o que poderia ser reduzido para compensar o acréscimo de custo causado pelas medidas preventivas.

Como no Brasil somente 3% da emissão de gases de efeito estufa está associada à produção de eletricidade, enquanto no resto do mundo esse porcentual é da ordem de 30%, cabe a pergunta: deveríamos alocar prioritariamente nossos escassos recursos na adaptação do sistema elétrico à nova realidade climática? Ou, como fazem os países desenvolvidos, na redução da emissão de gases que causam o efeito estufa?

O Congresso Nacional tem decidido a favor da segunda alternativa. Há diversas leis que criam incentivos econômicos para as fontes solar e eólica – tanto a “geração concentrada”, tipicamente formada por grandes parques geradores conectados ao Sistema Interligado Nacional (alta tensão), quanto a “geração distribuída”, tipicamente formada por painéis solares conectados à rede de distribuição (baixa tensão), instalados nos telhados ou em terrenos. Anos atrás, quando essas fontes eram muito caras, os incentivos faziam sentido. Porém não mais: atualmente, são muito baratas. A manutenção dos incentivos serve apenas para atender aos investidores dessas fontes e aos grandes consumidores. Os respectivos custos recaem sobre os ombros dos pequenos consumidores.

O que já é ruim pode piorar. Tramita no Congresso uma proposta para expandir as fontes subsidiadas com o objetivo de produzir e exportar hidrogênio verde, tanto direta quanto indiretamente (embutido em produtos de baixo carbono). São atividades empresariais com potencial de alavancar a produção industrial do País. Mas deveriam se viabilizar por seus próprios méritos, e não à custa do incremento das contas de luz pagas pelos pequenos consumidores.

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FOI DIRETOR-GERAL DA ANEEL, PRESIDENTE DA LIGHT E INTERVENTOR NA ENERSUL

Opinião por Jerson Kelman