Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|As vilas na revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo

Reconhecimento da descaracterização da vila é ato de extrema relevância. Objetivo é avaliar se o conjunto de unidades ainda reúne requisitos necessários para aplicação das regras de proteção de sua habitabilidade

Atualização:

A definição e adequado tratamento das vilas é um dos temas mais debatidos no ciclo de revisão em curso da Lei de Zoneamento da Cidade de São Paulo (Lei Municipal n.º 16.402/2016).

As vilas remetem a um tipo de projeto de construção de habitações populares adotado nas primeiras décadas do século 20. A antiga legislação edilícia do município de São Paulo, de 1934 (Ato do Prefeito n.º 663 – também conhecido como Código de Obras Arthur Saboya), permitia a divisão do terreno e aprovação de unidades habitacionais, no interior da quadra, sem constituir condomínio, com tipologia bastante específica, contendo poucos cômodos e demais instalações básicas, como cozinha, copa e banheiro. Para que as habitações não ficassem encravadas no interior da quadra, era exigida a implantação de passagem interna para o logradouro principal, permitindo-se a instalação de portão de controle de acesso, exclusivo para seus moradores.

No início da década de 70 (Lei Municipal n.º 7.805/1972), a vila deixou de ser permitida como modelo de aprovação de casas populares, cedendo lugar para condomínios verticais, que ampliaram mais eficazmente a oferta necessária para atendimento de crescente demanda habitacional. Também a tipologia e a utilização das unidades de muitas vilas então existentes passaram por profundas alterações, principalmente em regiões mais valorizadas. Algumas se tornaram polo de escritórios e outras, de atividades comerciais.

Desde a década de 80 (Lei Municipal n.º 10.015/1985) a legislação urbanística municipal passou a assegurar condições físicas de conforto e ambiência às vilas já existentes, com o reconhecimento das particularidades de sua implantação, no interior da quadra, nos moldes do antigo modelo normativo, com exigência de uso residencial, vedada a anexação de lotes externos. Essa proteção às vilas foi reproduzida na Lei de Zoneamento de 2004 (Lei Municipal n.º 13.885), que também estabeleceu gabarito máximo de altura das edificações no entorno das vilas, para evitar seu sufocamento. Na Lei de Zoneamento vigente, de 2016, que passa por revisão atualmente (Lei Municipal n.º 16.402), aquelas vedações foram mantidas (tanto a de remembramento de lotes externos quanto o limite de altura dos prédios na área envoltória), tendo o conceito de vila deixado de prever expressamente a efetiva utilização habitacional das casas para sua caracterização.

Como se pode notar, a legislação municipal jamais teve regras tendentes a perpetuar as vilas conforme modelo então previsto no Código de Obras de 1934, impedindo sua possível descaracterização, à exceção daquelas que, em processo próprio, tenham reconhecido seu valor histórico, por razões justificadas, sendo objeto de tombamento. Exemplo disso é o Parque (Vila) Residencial Saboya, localizado no bairro da Barra Funda, construído na década de 1930, que o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp) tombou em 2017, por manter suas características arquitetônicas originais.

O reconhecimento da descaracterização da vila é um ato de extrema relevância. O objetivo é avaliar se o conjunto de unidades ainda reúne requisitos necessários para aplicação das regras de proteção de sua habitabilidade. É que essa proteção gera um custo relevante para a cidade, ao limitar consideravelmente a adequada utilização de importantes áreas urbanas no entorno de vilas. Por isso, sua aplicação deve estar diretamente relacionada à presença efetiva dos elementos necessários para sua configuração e que justificariam a proteção de uma vida qualificada a seus poucos moradores.

Atualmente, o reconhecimento da descaracterização da vila, conforme procedimento definido em janeiro de 2022, é realizado pela Câmara Técnica de Legislação Urbanística (CTLU), órgão técnico com participação de representantes da Prefeitura e da sociedade civil.

Por essa razão, é muito importante o necessário debate da proposta contida no projeto de revisão da Lei Municipal n.º 16.402/2016, que estabelece a aplicação de Zona Predominantemente Residencial (ZPR) às vilas, mesmo que já descaracterizada. Trata-se de um zoneamento bastante restritivo, voltado à preservação, nele incidindo rígida limitação de porte e altura das edificações e usos permitidos. Contudo, qual seria o sentido de estabelecer restrição tão severa se não houver mais um motivo para isso, no caso, a existência de uma vila? Essa proposta pode prejudicar a estratégia de desenvolvimento da cidade, criando ilhas desconectadas com o bairro, conforme zoneamento geral definido para cada região.

Na recente revisão do Plano Diretor Estratégico do Município (Lei Municipal n.º 16.050), as vilas, enquanto assim caracterizadas, foram excluídas das áreas de influência do sistema de transporte público, conhecidas como “eixos”, destinadas ao adensamento construtivo e habitacional e que é um instrumento central de sua estratégia de desenvolvimento orientada pela mobilidade urbana.

A aplicação de zoneamento excepcional e restritivo, mesmo que não mais caracterizada uma vila, e não haja mais sequer moradores, impedirá a adequada utilização de escassas áreas em regiões urbanizadas, em especial nas áreas próximas ao sistema de transporte público. O resultado será uma maior dificuldade de acesso à moradia nas áreas urbanas mais qualificadas e a dispersão da cidade, gerando intensa incompatibilidade com as estratégias do plano diretor recentemente revisadas.

*

SÃO ADVOGADOS

Opinião por Olivar Vitale e Bruno Sales