Opinião | GLP: uma escolha sustentável para a cocção doméstica no Brasil

Combustível tem demonstrado vantagens expressivas como matriz energética de transição, especialmente em programas de redução da pobreza energética

Por Carlos Ragazzo

Em períodos de crise econômica, quando a redução de renda limita a capacidade de aquisição de combustíveis limpos para cocção, a pobreza energética no Brasil é agravada. Entre 2016 e 2022, houve um aumento na utilização de lenha e carvão para cozinhar, refletindo as dificuldades enfrentadas pelas camadas sociais menos favorecidas, que recorrem a fontes de energia mais baratas e poluentes. Essa tendência mostra a necessidade de políticas públicas que incentivem o uso de combustíveis e tecnologias mais limpas, melhorando a qualidade de vida e reduzindo os impactos ambientais.

Para entender a importância dessa transição, é fundamental considerar as diretrizes de qualidade do ar estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Por exemplo, para partículas finas PM2.5, a diretriz anual é de 5 µg/m³, enquanto a meta interina-1 é de 35 µg/m³. Para o monóxido de carbono, a diretriz de 24 horas é de 4 mg/m³, com a meta interina-1 fixada em 7 mg/m³, de acordo com a OMS. Combustíveis como eletricidade, biogás, gás natural, gás liquefeito de petróleo (GLP) e etanol são considerados limpos porque atendem a essas diretrizes, ao contrário de opções como lenha, carvão e querosene, que geram alta poluição doméstica e externalidades negativas.

Segundo o World Energy Council, os combustíveis para cocção são classificados em três categorias: fontes de energia modernas (energia elétrica e GLP), intermediárias (querosene e carvão) e tradicionais (biomassa como lenha, esterco seco e resíduos agrícolas). Internacionalmente, o GLP tem demonstrado vantagens expressivas como matriz energética de transição, especialmente em programas de redução da pobreza energética, devido à sua facilidade de transporte, que possibilita alcançar locais de difícil acesso, ampla disponibilidade e longa vida útil dos recipientes, possível por conta de um modelo regulatório que incentiva o investimento em segurança e qualidade.

Nesse contexto, o Brasil se destaca pela vasta rede de distribuição, com aproximadamente 60 mil pontos de venda e mais de 20 distribuidoras. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, o GLP está presente em 100% dos municípios, com uma cobertura substancial de 90,5% dos domicílios, abrangendo cerca de 67,1 milhões de residências, com um modelo de entrega rápida. Em média, 34 milhões de botijões são vendidos mensalmente, com um tempo médio de entrega de apenas 17 minutos após a solicitação, atendendo a uma demanda do consumidor por fornecimento rápido, dado que a demanda normalmente se dá no momento da cocção.

Comparado ao gás natural encanado, o GLP também apresenta vantagens econômicas consideráveis. Os altos custos fixos associados à expansão da rede de gasodutos tornam o GLP uma opção mais acessível e prática para grande parte da população, especialmente em regiões rurais e de difícil acesso, normalmente afetadas de forma mais substancial pelo risco de pobreza energética. Essa capilaridade e eficiência de distribuição tornam o GLP um componente essencial na matriz energética residencial brasileira.

Do ponto de vista ambiental, a substituição de combustíveis como lenha, carvão vegetal e querosene pelo GLP pode reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. Estima-se que, em 2022, enquanto o GLP emitiu cerca de 608 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (tCO2e), a lenha emitiu aproximadamente 3,01 bilhões de tCO2e.

A análise também explora cenários de substituição da lenha por GLP, considerando diferentes proporções de substituição (25%, 50% e 100%). Os resultados indicam que a substituição de 25% da lenha por GLP poderia evitar a emissão de aproximadamente 736 milhões de tCO2e, enquanto uma substituição de 50% poderia evitar cerca de 1,47 bilhões de tCO2e. No cenário de substituição total (100%), as emissões evitadas seriam de cerca de 2,94 bilhões de tCO2e.

Esses cálculos levam em conta não apenas as diferenças diretas de emissão por tonelada de combustível, mas também as diferenças na eficiência energética entre os dois combustíveis. Os fogões a GLP têm uma eficiência de 57%, muito superior aos fogões a combustíveis sólidos (13%-17%), segundo a pesquisadora Adriana Gioda, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Além disso, o GLP gera menos partículas em suspensão e emite menos óxidos de nitrogênio (NOx) do que outros combustíveis fósseis, melhorando a qualidade do ar e reduzindo os impactos negativos à saúde.

Os benefícios de saúde pública também podem ser significativos. Como a população de baixa renda que utiliza lenha como matriz de cocção fica em ambientes internos, fechados, normalmente pequenos, é muito significativa a exposição aos poluentes emitidos durante a combustão incompleta, incluindo materiais particulados (PM), monóxido de carbono (CO), dióxido de nitrogênio (NO₂), compostos orgânicos voláteis, formaldeído e benzopireno. Essa exposição dá origem a uma série de doenças graves que impactam a vida das pessoas e também os sistemas de saúde, merecendo políticas públicas que a enderecem. É muito importante lembrar que a poluição do ar doméstico está associada a uma série de doenças respiratórias e cardiovasculares graves, entre as quais se destacam infecções respiratórias, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doenças cardiovasculares e acidente vascular cerebral (AVC).

O GLP não apenas apresenta uma solução eficaz para a cocção doméstica, mas também oferece uma série de vantagens econômicas, ambientais e de saúde pública. Com uma ampla cobertura e uma rede de distribuição eficiente, o GLP já é e pode se tornar ainda mais relevante na matriz energética do Brasil, ajudando a reduzir a dependência de combustíveis poluentes. Por isso, é essencial que se aperfeiçoem políticas públicas que incentivem o seu uso para a população carente em risco de pobreza energética.

*

PROFESSOR DA FGV DIREITO RIO

Opinião por Carlos Ragazzo

Professor da FGV Direito Rio

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.