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Opinião|Lula e a estratégia de ataque à mídia

Cuba e Venezuela, ditaduras cruéis, são o modelo concreto da utopia petista

Foto do author Carlos Alberto Di Franco

Em 1964, sob o pretexto de preservar a democracia, ameaçada por um presidente da República manipulado pelo radicalismo das esquerdas, os militares tomaram o poder. E o que se anunciava como intervenção transitória, com ânimo de devolver o poder aos civis, se transformou no pesadelo da ditadura. A imprensa foi amordaçada. Lideranças foram suprimidas. Abriu-se um vazio na política. Muitas injustiças foram cometidas em nome da democracia.

O que se viu no transe da ditadura foi o germinar de duas tendências opostas: liberdade x autoritarismo. Os democratas, como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, entre outros, partiram para luta contra a ditadura, mas sempre apontando para o horizonte de um regime aberto. Outros, como Dilma Rousseff e Franklin Martins, partiram para a clandestinidade. Passaram-se muitos anos. A guerrilha foi substituída pelos ensinamentos de Gramsci, pela força do marketing político e pela manipulação populista das massas desvalidas. Mas a alma continua a mesma: autoritária. O impeachment de Dilma Rousseff, no marco estrito das normas constitucionais, está provocando visível vitimização em certas lideranças.

E Lula da Silva, o chefão do PT, lidera a construção do roteiro de suposta injustiça e perseguição. O ex-presidente manifesta crescente irritação com o trabalho da imprensa independente. Seus sucessivos e reiterados ataques à mídia, balanceados com declarações formais de adesão à democracia, não conseguem mais esconder a verdadeira face dos que querem tudo, menos democracia. Para Lula, um político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão, imprensa boa é a que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda e deve ser extirpado.

Como salientou recente editorial do jornal O Estado de S. Paulo, o figurino de campeão da democracia não cai bem num líder político que incita seus seguidores a odiar quem não pertence à patota e quem procura revelar o que ele gostaria de esconder, isto é, a imprensa livre e independente. Definitivamente, não é democrata quem pretende, como anunciou, “fazer a regulação dos órgãos de imprensa”, um eufemismo nada sutil para um declarado programa de controle estatal dos meios de comunicação. E Lula, no mesmo discurso em que denunciou o suposto autoritarismo de seus adversários, disse que “a gente (ele e Dilma) foi muito condescendente com os meios de comunicação” e “a gente não pode permitir que nove famílias continuem dominando a comunicação e inventando mentiras”. Lula tentou, mais de uma vez, algemar a liberdade de imprensa e de expressão. Em 2006, o governo Lula patrocinou a proposta de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, cujo objetivo era “orientar, disciplinar e fiscalizar”o exercício da profissão de jornalista. A proposta foi rechaçada por diversos setores da sociedade, pela óbvia tentativa de cerceamento da livre manifestação do pensamento.

Para Lula, a responsabilidade pelo descalabro petista – que inclui a prisão de vários dirigentes por corrupção, a condenação do próprio ex-presidente e o impeachment de Dilma Rousseff por crime de responsabilidade – recai em primeiro lugar na imprensa, que insiste em cumprir o seu dever: noticiar os escândalos que brotam como cogumelos no terreno do PT.

Na verdade, cabe à mídia um papel fundamental na salvaguarda da democracia. O ex-presidente da República, sua sucessora e seu partido, independentemente das declarações de ocasião em favor da liberdade de imprensa e de expressão, resistem ao contraditório e manifestam desagrado com o exercício normal das liberdades públicas. Não tenhamos receio das renovadas tentativas de atribuir à imprensa falsos propósitos golpistas. Trata-se de síndrome persecutória, uma patologia política bem conhecida no mundo político.

A biografia de Luiz Inácio Lula da Silva foi construída graças aos seus méritos pessoais e aos amplos espaços que a democracia oferece a todos os cidadãos. Todavia o poder fascina e confunde. E os bajuladores, de ontem, de hoje e de sempre, são o veneno da democracia. Preocupa, e muito, o entusiasmo de Lula da Silva, de Dilma Rousseff e do seu partido com modelos políticos capitaneados por caudilhos. Cuba e Venezuela, ditaduras cruéis e antediluvianas, são o modelo concreto da utopia petista.

Como já escrevi neste espaço opinativo, não é de hoje a fina sintonia do petismo com governos autoritários. O Foro de São Paulo, entidade fundada por Lula e Fidel Castro, entre outros, cujas atas podem ser acessadas na internet, mostra que não há acasos. Assistiu-se, de fato, a um processo articulado de socialização do continente de matriz autoritária. E o ex-presidente foi um dos líderes, talvez o mais expressivo, dessa progressiva estratégia de estrangulamento das liberdades públicas. A fórmula “Lulinha paz e amor” é pura estratégia de marketing. Lula, acuado pela Justiça, mostra sua verdadeira face: o rosto do caudilhismo.

Cabe à imprensa, num momento grave da História da democracia, denunciar a tirania que se oculta sob o véu do vitimismo. É preciso mostrar as estratégias gramscianas de tomada do poder. E o melhor modo de fazer o contraponto, urgente e necessário, é sair da armadilha da radicalização e fomentar a discussão das políticas públicas. Vamos romper a embalagem do marketing político e da propaganda avassaladora. Vamos contrastar o discurso lulista com a realidade dos fatos.

A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio ao desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo a justa punição pelos crimes cometidos e o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só são possíveis graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.

CARLOS ALBERTO DI FRANCO É JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Opinião por Carlos Alberto Di Franco

Jornalista