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Opinião|Os desafios da política externa do governo Biden

China, Oriente Médio, mudanças climáticas e aquecimento global, as grandes questões

Atualização:

Cumprido o primeiro mês no cargo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, defronta-se com vários desafios na política internacional. O manejo desses desafios começa a revelar os novos rumos da política externa norte-americana.

O enfrentamento das múltiplas questões que envolvem o relacionamento dos Estados Unidos com a China é desafiado pela incrível complexidade das questões, além da falta de consenso no governo e no Partido Democrata sobre qual deve ser o foco da relação do país com o gigante asiático. A maioria defende o fim da confrontação política permanente e do esforço de desassociação das economias – decoupling, no termo em inglês –, posição defendida por poderosos grupos econômicos que mantêm enormes interesses na China. Ao mesmo tempo, muitos integrantes do Partido Democrata defendem maior assertividade norte-americana na defesa dos direitos humanos na China; e maior cooperação no enfrentamento das causas do aquecimento global, o que pressionaria a China também no campo da preservação ambiental, em razão de sua matriz energética altamente poluente.

No campo militar, a completa liberdade de ação norte-americana no Oceano Pacífico, conquistada no pós-guerra, continuará a ser desafiada pela crescente capacidade militar chinesa, especialmente sua marinha de guerra. Nesse sentido, o cumprimento de mais uma das chamadas “Operações de Liberdade de Navegação” pelo contratorpedeiro (destroyer) USS John S. McCain, logo na primeira semana do governo Biden, navegando pelo Estreito de Taiwan e pelo Mar do Sul da China, costeando as disputadas Ilhas do Arquipélago Paracel, mostra a disposição norte-americana de manter inabalada sua influência militar na região.

Mas encontrar o tom adequado da retórica e das ações militares exigirá habilidade. Por um lado, um aumento no tom de confrontação militar poderá deixar os aliados norte-americanos na área emparedados pela armadilha da neutralidade, uma vez que seus laços econômicos com Beijing são cada vez mais profundos. Por outro, qualquer ênfase num reset na relação entre os dois países, que resulte em acomodações e concessões excessivas, acenderá um alerta em Tóquio, Seul, Camberra e Nova Délhi, sem falar em Taipei, que poderão concluir que eles estão por sua própria conta, acelerando ainda mais a já existente corrida armamentista na região.

Os problemas a enfrentar no Oriente Médio não são menores. Biden acaba de retirar o apoio norte-americano à ofensiva saudita contra os houthis no Iêmen, interrompendo a venda de armas aos árabes, além de revogar o ato do governo Trump, de janeiro deste ano, que designava aquele grupo como entidade terrorista. O governo norte-americano alegou razões humanitárias para essa medida, uma vez que tal designação bloqueava uma série de ajudas à população iemenita, terrivelmente castigada pelo conflito, que já se arrasta há seis anos e já causou mais de 100 mil mortes. A ONU classifica a crise no Iêmen como a pior crise humanitária do planeta, com cerca de 80% de sua população de 24 milhões de habitantes necessitando de ajuda, incluídos 12 milhões de crianças.

É claro que os sauditas não ficaram satisfeitos com a retirada do apoio. É interessante notar que a ação militar do reino no Iêmen começou em 2015, contando com a aprovação do governo Obama, de quem Biden era vice-presidente. Mas, oficialmente, o reino declarou estar comprometido na busca de uma solução política para o conflito, que, na verdade, é mais um campo de sua disputa geopolítica regional com o Irã, patrocinador dos houthis.

Esse contexto nos remete ao Irã e a sua complicadíssima relação com os Estados Unidos. A Agência Internacional de Energia Atômica acaba de divulgar relatórios alertando que Teerã aumentou os seus esforços de enriquecimento de urânio, instalando centrífugas novas e mais modernas em duas instalações nucleares diferentes. Esse fato mostra que o Irã se afasta ainda mais do que havia sido pactuado no acordo nuclear de 2015, do qual o governo Trump se retirou em 2018.

Com a volta das sanções econômicas, que haviam sido levantadas pelo acordo, o Irã sentiu-se liberado para descumprir abertamente os limites de enriquecimento de urânio previstos no pacto.

E esse é o nó górdio que a administração Biden tem de desatar.

Retomar o pacto nas condições anteriores talvez seja impossível no momento. Já um pacto em novas bases, mais favorável aos interesses dos iranianos, deixariam os Estados Unidos em difícil situação com os seus principais aliados na região, especialmente Israel.

Com tantos e tão complexos desafios, um deles desponta como preferencial em razão da facilidade de atuação, dado seu apelo mundial: a promoção da agenda ambiental, de enfrentamento das mudanças climáticas e do aquecimento global. Creio ser por aí que a administração Biden vai iniciar as suas mais importantes ações no campo internacional.

CORONEL DE CAVALARIA. E-MAIL: PAULOFILHO@PAULOFILHO.NET.BR

Opinião por Paulo Roberto da Silva Gomes Filho