Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Os militares na política

O militarismo é o mais nocivo e cruel dos regimes, demonstram as experiências conhecidas

Exclusivo para assinantes
Por Almir Pazzianotto Pinto
3 min de leitura

O título é tomado de empréstimo do livro escrito pelo brasilianista Alfred Stepan, cuja leitura é necessária para quem deseja começar a entender o papel desempenhado pelas Forças Armadas em nossa História (Artenova, SP, 1975). O Brasil não tem inimigos externos. Inexiste o perigo de sermos atacados e invadidos por algum vizinho, interessado em nos submeter pelas armas.

Por outro lado, o imperialismo colonialista das grandes potências arrefeceu, vencido por problemas internos, ou cedeu espaço a políticas de dominação de mercados secundários com pacíficos produtos industrializados. Nesse aspecto devemos temer a China, o Japão, a Coreia do Sul, Cingapura e Tailândia, que avançam sobre o Brasil, tirando vantagem do nosso atraso, fruto da corrupção, da incompetência e da indolência, que nos impedem de progredir nas esferas da educação, das pesquisas e do desenvolvimento.

Dentro desse cenário, qual o papel reservado pela Constituição federal às Forças Armadas? Excluídas malogradas tentativas de invasão pelos franceses e holandeses à época do Brasil colônia, uma única guerra travamos contra o pequeno Paraguai (1864-1870), cujos resultados são conhecidos. A campanha da Força Expedicionário Brasileira (FEB) na Itália, nos derradeiros meses da 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), cobriu-se de heroísmo, mas revelou a deficiência de treinamento, de armamento e de preparo psicológico da reduzida força sob o comando do general Mascarenhas de Morais. Quem quiser saber mais, consultará A Verdade sobre a FEB, livro escrito pelo marechal Floriano de Lima Brayner, chefe do Estado-Maior no teatro italiano de operações (Civilização Brasileira, RJ, 1968).

O governo do presidente Jair Bolsonaro ressuscitou o fenômeno do militarismo, que se esperava superado após a promulgação da Constituição de 1988. A partir da posse de Sua Excelência no Palácio do Planalto, milhares de militares da ativa e da reserva foram convocados para ocupar cargos reservados aos civis. Os ventos parecem avisar que o capitão paraquedista planeja implantar regime militarista.

Na lição de Gianfranco Pasquino, entende-se por militarismo “vasto conjunto de hábitos, ações e pensamentos associados com o uso de armas e com a guerra, mas que transcende os objetivos puramente militares. (...) Ele visa objetivos ilimitados; objetiva penetrar em toda a sociedade, impregnar a indústria e a arte, conferir às forças armadas superioridade sobre o Governo; rejeita a forma científica e racional de efetuar a tomada de decisões e ostenta atitudes de casta, de culto, de autoridade e de fé” (Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci, Gianfranco Pasquino – UNB, Brasília, DF, 5.ª edição, 1993, volume 2, página 748).

O militarismo é o mais nocivo e cruel dos regimes. As experiências conhecidas assim o demonstram. Um dos mais criminosos regimes militaristas fez de vítima o povo argentino. Teve início com o golpe de 1976, deflagrado por Junta Militar que indicou o general Jorge Rafael Videla para governar, após derrubar a presidente Isabelita Perón. Seguiram-se, na Presidência, os generais Roberto Viola, Leopoldo Galtieri e Reynaldo Bignone. O terrorismo do estado teria executado cerca de 30 mil oposicionistas e criado centenas de campos de concentração. Foi em abril de 1982, durante o governo Galtieri, que a Argentina invadiu as Ilhas Malvinas, para ser derrotada em 40 dias pela Inglaterra.

“A participação das Forças Armadas na vida política dos países da América Latina, África e Ásia se constituiu numa rotina. Quase diariamente abrimos os jornais para ler o mesmo tipo de notícias, variando somente os lugares de onde provêm. Já se chegou ao exagero de dizer que a história das nações subdesenvolvidas será a história das revoltas militares.” A frase é de Vicente Barreto, no artigo A Presença Militarista (Cadernos Brasileiros, Os Militares, Rio de Janeiro, novembro/dezembro de 1966).

A restauração democrática em 1985 prometia longo período de liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça, como está escrito no preâmbulo da Constituição. Infelizmente, as coisas não se passaram assim. Após dois presidentes da República cassados e um condenado em segundo grau de jurisdição, o presidente Jair Bolsonaro, obcecado pela reeleição, em vez de desenvolvimento, paz e tranquilidade, nos proporciona dias marcados por graves preocupações.

O ministro da Defesa, Braga Netto, e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica devem se conservar em respeitoso silêncio perante a Constituição. Cometem crime contra a segurança nacional quando ameaçam impedir as eleições de 2022. As armas de que dispõem, adquiridas com recursos do Tesouro Nacional, não se podem voltar contra o povo pacífico e indefeso.

A propósito da tragédia que vitimou a vizinha nação argentina, assinalo que, com o fim do militarismo, os generais Videla, Viola, Galtieri, Bignone, foram processados e condenados por crimes contra a humanidade. Videla e Bignone, à prisão perpétua.

ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO