Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Regularização fundiária

Um instrumento de arrecadação para os municípios no pós-pandemia

Exclusivo para assinantes
Por Ana Cristina Maia
3 min de leitura

Os impactos econômicos causados pela pandemia do coronavírus começam a emergir. E são as cidades, que já vinham sofrendo com a crise econômica nacional, que contabilizam os danos. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a soma dos principais tributos de competência municipal – ISS, ITBI e IPTU – entre os meses de abril e junho de 2020 registrou uma queda de 14,3% em comparação com o mesmo período do ano passado – R$ 3,76 bilhões que deixaram de entrar nos cofres das prefeituras. A falta de formalização cria um gargalo econômico com sérias consequências para moradores e pequenas cidades. Só em “capital morto”, a irregularidade representa R$ 2,5 trilhões – crédito que não pode ser aproveitado pelas famílias por não terem o bem registrado.

Mais que responsabilidade na gestão pública, os prefeitos que assumiram agora seus mandatos precisarão contar com a criatividade e com instrumentos efetivos de arrecadação para produzir receita em curto e médio prazos. Precisarão ainda pensar e desenvolver políticas públicas de recuperação de renda e mecanismos de desenvolvimento econômico que permitam a ascensão social das famílias mais vulneráveis, as mais atingidas pelos efeitos da pandemia.

A Regularização Fundiária Urbana (Reurb) é de competência das prefeituras, nos termos da Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, que deu protagonismo e independência aos gestores públicos na elaboração de políticas habitacionais para ajudarem a população a ter acesso à documentação formal do imóvel. A casa é um dos ativos mais importantes das pessoas. A regularização fundiária precisa ser vista como obrigação social dos gestores públicos, para os cidadãos terem mais autonomia e, consequentemente, produzirem crescimento econômico e social.

Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2008 e 2014 mostrou que a renda per capita de lares cariocas que passaram pelo processo de regularização obteve considerável alta (20% a 30%) após seis anos da formalização. Tudo graças à inserção dos seus imóveis no sistema formal de propriedade, provando que a Reurb é importante ferramenta para o desenvolvimento econômico e pessoal dos indivíduos.

A importância da regularização é ainda maior para cidades menores. Cerca de 80% dos municípios do País têm menos de 20 mil habitantes, mas são responsáveis por 18% de todo o potencial financeiro do IPTU. Isto é, mais de 80% do imposto deixou de ser cobrado adequadamente. Isso mostra um dos primeiros reflexos da falta de regularização dos imóveis urbanos.

Do ponto de vista macroeconômico, os problemas da irregularidade fundiária vão além da falta de arrecadação do IPTU, que tem valores mais baixos em áreas menos valorizadas. Quando um bairro é inserido no sistema de registro da propriedade, ele passa a fazer parte formalmente da economia local. Um comércio com alvará regular gera ISS, emprego e renda para a população, sem mencionar a arrecadação do ITBI.

Há ainda problemas do lado da oferta dos serviços públicos, pois os moradores de regiões irregulares são privados de acesso a direitos e serviços básicos, como educação – escolas e creches –, saneamento, acesso a água tratada, pavimentação de ruas e segurança. Ora, se determinado bairro não existe formalmente, o poder público não consegue implementar as políticas de forma adequada e não tem dados assertivos sobre o perfil populacional.

Sob a perspectiva jurídica, por sua vez, o gestor municipal pode vir a enfrentar problemas. Como a regularização é iniciativa de competência do poder municipal, ao qual cabe fazer a gestão do território urbano, o agente público que se mantiver inerte em relação à irregularidade fundiária de uma região pode vir a responder judicialmente por improbidade administrativa, uma vez que se trata de renúncia de receita.

Além disso, a regularização fundiária tem-se mostrado uma escolha econômica mais inteligente para as cidades. A título de exemplo, uma unidade habitacional do Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, tem custo estimado de R$ 130 mil. Já a regularização de um imóvel instalado num núcleo urbano informal tem custo médio de R$ 1,5 mil, com a vantagem de fixar o morador numa área já consolidada urbanisticamente e pela qual já existe um sentimento de pertencimento cultural e geográfico.

A ONU estima que a população urbana em 2050 seja de aproximadamente 9,7 bilhões de pessoas, com 40% delas vivendo em assentamentos e/ou favelas. As serventias extrajudiciais de todo o País, por meio do Registro de Imóveis do Brasil, estão alinhadas com os objetivos da agenda 2030 da Organização, que estabelece acesso a habitação segura, adequada e acessível para a população. A regularização traz consigo um processo contínuo e consistente de prosperidade e transformação social para famílias que viviam no anonimato e passam a contar com serviços públicos de qualidade. É preciso que os gestores públicos se capacitem e se inteirem das regras de regularização, pois se trata de uma oportunidade única de rápidos ganhos sociais, ambientais e econômicos.

DIRETORIA DE REURB DO REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL