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Opinião | Sem Judiciário eficiente, não há desenvolvimento

Não se dá a devida atenção aos efeitos econômicos perversos que decorrem da deficiência, no Brasil, do sistema institucional de aplicação da lei

Por Eduardo Secchi Munhoz

O Prêmio Nobel de Economia de 2024, conferido a James Robinson, Daron Acemoglu e Simon Johnson, realçou a ideia de que o desenvolvimento dos países depende da evolução de suas instituições. É pressuposto mínimo dessa evolução institucional a observância dos princípios que caracterizam o Estado de Direito. A ideia não é nova. Há mais de século, Max Weber apontou que a aplicação da lei igualmente para todos, segundo juízos de racionalidade, é essencial para o desenvolvimento do capitalismo. A ausência de segurança e previsibilidade tira a confiança dos agentes privados, inviabilizando o cálculo econômico.

No Brasil, é comum encontrar-se explicação para o atraso em problemas de natureza exclusivamente econômica. Para ilustrar, até os anos 1990, a ausência de moeda estável (inflação); hoje, o desequilíbrio fiscal.

Não se dá a devida atenção aos efeitos econômicos perversos que decorrem da deficiência, no Brasil, do sistema institucional de aplicação da lei. A deficiência desse sistema não afeta apenas o interesse na boa administração da justiça, mas atinge a capacidade do País de avançar em termos econômicos e sociais. Nesse campo, o quadro de debilidade chega ao ponto de não permitir qualificar o Brasil como verdadeiro Estado de Direito.

Uma visão menos atenta, ou ufanista, da realidade levaria à afirmação de que o Brasil constituiria um Estado de Direito, ao menos desde a Constituição de 1988. Para o império do rule of law não basta, porém, a aprovação de diplomas normativos. É preciso que o sistema de aplicação da lei (enforcement) observe os critérios de impessoalidade, imparcialidade e racionalidade jurídica.

É lamentável observar que, passados séculos de sua história, o Brasil não rompeu o grilhão das relações patrimonialistas. Essa realidade, descrita em Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, em vez de modificar-se, parece enraizar-se cada vez mais profundamente na sociedade brasileira, como se vê no recente O País dos Privilégios, de Bruno Carazza.

O Brasil foi, e em boa medida continua a ser, o país da “lei para inglês ver”. Sob esse aspecto, a realidade atual não parece distante dos tempos em que Luís Gama lutava pela aplicação da lei de 1831, cujo texto, de clareza meridiana, se observado, teria levado ao fim da escravidão bem antes de 1888.

É do senso comum, e parte do anedotário popular, o elevado grau de imprevisibilidade das decisões judiciais. Contudo, por estranho que possa parecer a um brasileiro, no Estado de Direito, a aplicação da lei deve, e pode, ser previsível. Se a interpretação das normas não depender da subjetividade de cada juiz, não decorrer de fatores pessoais, de privilégios, de regalias ou de corrupção, mas de exercício impessoal e imparcial de racionalidade jurídica, haverá previsibilidade.

No Brasil, é alta a imprevisibilidade mesmo quando se trata da aplicação dos mais basilares princípios da regulação jurídica em matéria econômica. São tristes exemplos disso as vacilantes decisões sobre o princípio da limitação da responsabilidade dos sócios e o da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda).

São lastimáveis as notícias, divulgadas pelos principais órgãos de imprensa, em tempos recentes, que corroboram a presença do patrimonialismo em esferas do Judiciário brasileiro. E um sintoma claro dessa patologia encontra-se na contratação, para grandes causas empresariais, de verdadeiras redes de advogados, com frequência escolhidos não por sua competência ou saber jurídico, mas por conexões familiares, pessoais, políticas ou econômicas.

O ambiente de imprevisibilidade quanto à aplicação da lei afasta investidores estrangeiros habituados ao rule of law; e brasileiros, que pretendam exercer com honestidade a atividade econômica. Faz do Brasil um “país para não principiantes” (vale conferir Peter Kellemen, no curioso Brasil para Principiantes, de 1964).

A verdade é que, tanto quanto conquistar uma moeda estável, o que se deu na década de 1990, a construção de um sistema de enforcement baseado nos princípios do Estado de Direito é condição necessária ao desenvolvimento econômico. Nesse sentido, Marcelo Trindade tem razão ao defender, em artigo recente publicado na imprensa, que o Judiciário brasileiro precisa de um Plano Real.

O sonho de tornar o Brasil um país desenvolvido tem janela cada vez mais estreita e envolve desafios maiores do que os do passado, como salientam os laureados pelo Prêmio Nobel de Economia de 2024 e, anteriormente, Nathan Rosenberg e L. E. Birdzell, em How the West Grew Rich, de 1986.

Por isso, adotando-se o espírito de realismo esperançoso, de Ariano Suassuna, urge conferir ao País uma política pública abrangente, capaz de transformar a realidade atual do sistema institucional de aplicação da lei e, particularmente, do Judiciário. A tarefa é árdua, porque exige romper com a tradição patrimonialista, algo inédito na história brasileira. A não ser assim, persistirá o País inexoravelmente condenado ao atraso e à pobreza.

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ADVOGADO, É PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Opinião por Eduardo Secchi Munhoz

Advogado, é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo