A taxa de desemprego muito baixa e o crescimento econômico mais elevado que o esperado se combinam com uma inflação controlada. Não há razões para a elevação dos juros, apesar de ser este o cenário mais provável, conforme nossas análises na Warren Investimentos.
A última edição da pesquisa Focus, do Banco Central, que congrega as expectativas do mercado para a inflação, o PIB, a dívida pública e outras variáveis econômicas relevantes, merece atenção.
A mediana das expectativas para o IPCA, principal indicador para medir a evolução dos preços dos bens e serviços, indica variação de 4,30%, 3,92% e 3,60% ao ano para 2024, 2025 e 2026, respectivamente. Em que pese a inflação prevista para o ano corrente estar mais próxima do teto da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), há uma convergência das projeções para níveis mais próximos de 3,50%, no futuro próximo.
Do lado fiscal, o cenário está longe do mar de rosas, mas não há probabilidade relevante de uma crise ou algo parecido. O déficit primário (receita menos despesa sem contar os juros da dívida) vai diminuir em 2024, em relação a 2023, de R$ 230,2 bilhões para R$ 57,6 bilhões.
Além disso, para o ano que vem, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) trouxe muitos problemas, como tenho apontado, mas o básico está sendo feito. A política do “feijão com arroz”, como defendi em entrevista publicada nesta edição do Estadão ao jornalista Alvaro Gribel, deve continuar.
Do lado externo, o Federal Reserve, banco central americano, está prestes a iniciar um ciclo de redução dos juros, com prováveis impactos sobre a taxa de câmbio por aqui. Isto é, o real poderá sofrer uma apreciação importante, colaborando para o controle inflacionário, em razão do impacto sobre os preços de bens importados e, indiretamente, considerando o repasse esperado para os demais produtos e serviços.
Quanto ao mercado de trabalho, o desemprego está em patamares baixos, o que representa pressões salarial e de custos, com efeitos inflacionários, em tese, mas que não se materializaram e não tendem a se materializar nas condições atuais. Do contrário, as expectativas para a inflação deveriam refletir esse movimento.
Minha hipótese é de que a pandemia, em 2020 e 2021, reduziu a capacidade de produção e oferta do País. Agora, vivenciamos o processo inverso, fato pelo qual o crescimento da demanda agregada ocorre sem que os preços sejam pressionados. Mesmo sem mudanças estruturais do ponto de vista da produtividade geral da economia, é preciso reconhecer que a combinação de mercado de trabalho bom, inflação controlada e PIB acima do esperado não enseja elevação dos juros.
O Banco Central tem de estar a postos para tomar as decisões mais técnicas e apropriadas para os objetivos de preservação do valor da moeda, do seu poder de compra. Nesse sentido, é precipitado iniciar um novo ciclo de elevação dos juros, sobretudo quando estamos partindo de uma taxa elevada, de 10,5% ao ano, equivalente a 7,5% em termos reais. Esse nível supera aquele que os economistas denominam “neutro”, calculado pelo próprio Banco Central em menos de 5%.
Na Warren, nosso cenário é de que os juros devem voltar a subir, já na próxima reunião, a um ritmo de 0,25%. Contudo, este é o cenário que julgamos mais provável, em razão das sinalizações das autoridades responsáveis pela política monetária, inclusive.
A manutenção da taxa de juros, a meu ver, seria o caminho mais prudente, inclusive para esperar os desdobramentos dos efeitos do cumprimento da meta fiscal, neste ano, e do início de redução dos juros pelo Federal Reserve.
A opção por um ciclo de aperto monetário, precocemente, tem custos para a atividade econômica, pode representar um banho de água fria na recuperação do investimento indicada no resultado do PIB do segundo trimestre e criar obstáculos desnecessários à incipiente recuperação da indústria, também revelada nos dados abertos do PIB.
Os técnicos do Banco Central são competentíssimos e subsidiam as decisões dos membros do Copom. Cabe a eles, aos nove membros, definir os rumos da política monetária, tendo em vista todos os elementos técnicos.
É sempre importante recordar que o eixo monetário da política econômica é central. O custo do crédito é uma ferramenta com poder elevado para garantir as conquistas da estabilização e proporcionar um ambiente saudável para a retomada do crescimento. As duas coisas importam.
O nosso desafio central continua a ser o de reequilibrar as contas públicas. É evidente que há um longo caminho a ser percorrido. Mas os esforços realizados pelo ministro Fernando Haddad, sobretudo no combate à iniquidade presente nos bilionários gastos tributários, têm de ser louvados.
Não há como atingir as condições de sustentabilidade da dívida/PIB na presença de um juro real impeditivo. Daí porque é preciso pensar mil vezes antes de recolocar a economia para rodar com juros ainda mais elevados. No presente momento, sem necessidade.
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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO, PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI, FOI ELEITO ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)