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Filantropia além dos números

O terceiro setor contribuiu com 4,27% do PIB brasileiro de 2022, segundo a Fipe. Mas a solidariedade com os mais vulneráveis deve ser incentivada como traço distintivo de uma grande nação

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Por Notas & Informações
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A Constituição de 1988 definiu como objetivos fundamentais da República, entre outros, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, III). Em qualquer país do mundo, esse movimento civilizatório, para produzir resultados que garantam a todos os cidadãos acesso ao mínimo necessário para uma vida digna, não deve estar a cargo somente do Estado, mas também há de envolver organizações da sociedade civil, cada indivíduo, no limite de suas possibilidades.

No Brasil, um país tão profundamente desigual, essa integração em prol do bem comum torna-se ainda mais vital. Basta dizer que, malgrado terem sido alçadas àquela condição pelos constituintes originários há mais de três décadas, a pobreza e as desigualdades seguem tão presentes como marcas nacionais que não saem das páginas dos jornais, ainda pautam o debate público e inspiram toda sorte de políticas públicas e estudos acadêmicos.

Não poderia haver evidências mais eloquentes de que a Lei Maior está longe de ser cumprida no que concerne à dignidade da pessoa humana do que a renitência da pobreza e das desigualdades e a falta de incentivos para a consolidação de uma cultura de solidariedade e responsabilidade social no País. Isso não só pode, como deve mudar, pois, como lembrou em entrevista ao Estadão a diretora executiva do Movimento Bem Maior, Carola Matarazzo, diminuir as desigualdades, não apenas de renda, assim como preservar o meio ambiente, entre outras agendas humanitárias, são garantias de que haverá “um planeta para se viver” no futuro e pessoas vivendo com dignidade.

Nos últimos anos, a participação de empresas do chamado terceiro setor no combate às desigualdades no País tem se revelado um tanto mais estratégica, vale dizer, não limitada por uma ideia segundo a qual filantropia não seria mais do que mera distribuição de dinheiro dos mais ricos para os mais pobres. A diretora do Movimento Bem Maior, que reúne 11 altos executivos dos mais diversos segmentos econômicos, observou que “doação não é caridade, é investimento”. Ou seja, iniciativas como financiamento de pesquisas e apoio institucional a projetos relevantes para o País também fazem parte de uma abordagem mais moderna de filantropia que, se for devidamente incentivada, pode gerar bons frutos para o País.

O povo brasileiro já deu inúmeras mostras de que é vocacionado para a solidariedade. Se ainda havia dúvidas quanto a isso, a pandemia de covid-19 tratou de saná-las. Hoje, contudo, o grande desafio da sociedade é reacender essa chama; é resgatar o espírito solidário, em todos os níveis, como algo que transcende momentos de crise. Sem isso, será impossível estabelecer uma base sólida para o florescimento da cultura da filantropia como um dos eixos do desenvolvimento inclusivo e sustentável de que o Brasil tanto carece.

É inegável que a pandemia catalisou a solidariedade, revelando a face mais compassiva dos brasileiros. Doações inauditas trouxeram alívio imediato para milhões de necessitados. Só o Movimento Bem Maior angariou, em 2021, no auge da emergência sanitária, R$ 7 bilhões. No entanto, a sustentabilidade dessas ações e a manutenção do ímpeto filantrópico após o período crítico da pandemia tornaram-se preocupações relevantes para os que dependiam – e continuam dependendo – da caridade alheia para viver.

O desafio, pois, não é apenas aumentar o volume de doações, mas sim criar um ambiente propício à continuidade dessas contribuições. O terceiro setor é extremamente importante para o País e precisa ser estimulado. Um estudo da Fundação de Pesquisas Econômicas (Fipe), ligada à FEA-USP, mostrou que as empresas que atuam no terceiro setor, isto é, que desenvolvem atividades assistenciais e filantrópicas e empregam cerca de 6 milhões de pessoas, representaram 4,27% do PIB brasileiro em 2022.

Para além de números e estratégias corporativas, porém, é forçoso lembrar que a solidariedade com os concidadãos mais vulneráveis é um dos traços mais distintivos da grandeza de uma nação.