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Gasolina barata, gás caro

Quem tem carro está feliz, mas quem precisa de gás para cozinhar paga acima do preço internacional

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Por Notas & Informações
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Pôr algum alimento na panela já é um duro desafio para muita gente, no Brasil, mas conseguir comida pode ser apenas parte do problema. Cozinhar também pode ser uma façanha complicada, porque o gás destinado ao fogão está 25% mais caro que no exterior. 

Candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro tem-se vangloriado, em comícios, de haver proporcionado aos brasileiros a gasolina mais barata do mundo. Proprietários de automóveis podem até aplaudir, principalmente se desconhecerem ou derem pouca atenção a alguns detalhes. Para baratear gasolina e diesel, o presidente e seus aliados no Congresso reduziram tributos, chegando a impor perdas fiscais a Estados e municípios. Depois, as cotações do petróleo recuaram no mercado internacional, mas esse ponto é normalmente esquecido nas manifestações presidenciais. De toda forma, um fato – evidente há muito tempo – se torna mais claro para quem quiser enxergar: os pobres continuam bem abaixo das principais preocupações e prioridades do chefe do Executivo. 

Os dados oficiais de inflação, elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são inequívocos quanto à posição amplamente desvantajosa dos mais pobres. Nos 12 meses até setembro, os preços de combustíveis para veículos diminuíram 17,02%. No mesmo período, os combustíveis de uso doméstico encareceram 15,79%, e o custo da alimentação subiu 11,71%. A variação média dos vários grupos de preços, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficou em 7,17%. Alguns meses antes havia superado 11%, mas o recuo estatístico, explicável em grande parte pela contenção dos preços da gasolina, pouco significa para a maioria das famílias.

O Brasil dos pobres entrou claramente na pauta do presidente em três momentos. No primeiro, ele foi praticamente forçado, até por pressão de congressistas, a conceder auxílio emergencial, na onda inicial da pandemia, aos muito necessitados. A ajuda foi reduzida a partir de setembro de 2020 e extinta no começo de janeiro de 2021. Foi reativada em abril daquele ano, quando se tornou muito difícil, para o Executivo, menosprezar os dados de empobrecimento e de fome. No segundo, o presidente resolveu renomear o Bolsa Família como Auxílio Brasil e incorporar esse programa em seu ativo político-eleitoral. No terceiro, o candidato à reeleição decidiu elevar de R$ 400 para R$ 600 o valor do auxílio, mas só durante o período eleitoral. No projeto de Orçamento de 2023 foi inscrito o valor de R$ 405.

Os preços da gasolina e do diesel estão abaixo dos níveis internacionais, mas o Executivo tem pressionado a administração da Petrobras para evitar qualquer aumento. É muito difícil explicar essa pressão sem mencionar o interesse eleitoral do presidente da República. Enquanto isso, famílias pobres tentam racionar o uso do gás, como contou uma dona de casa ao Estadão. O governo tem recursos para ajudar essas famílias, se quiser incluí-las em sua lista de prioridades. Mas chegaria a mantê-las nessa lista depois da eleição?