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Governança não é complemento de renda

Governo fere regras básicas de governança corporativa ao negociar assentos em conselhos de administração de empresas nas quais instituições públicas têm participação societária

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Por Notas & Informações
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Obrigatório nas sociedades anônimas e facultativo nas companhias de capital fechado, o Conselho de Administração é o órgão mais importante de uma empresa. É o que faz o elo entre os interesses dos donos/sócios/acionistas e as decisões do alto comando executivo, cuidando para que os movimentos dos dois grupos estejam em sincronia e alinhados às boas práticas administrativas.

Conselheiros administrativos – reunidos em grupos que variam entre 5 e 11 integrantes na maioria das empresas – costumam ser bem remunerados, participam em média de uma reunião por mês, são escolhidos pelos acionistas ou proprietários e podem atuar em mais de uma empresa, desde que não haja conflito de interesses.

A relevância das decisões submetidas ao Conselho reflete a importância do cargo. Por isso, reduzir a função a um mero complemento salarial é mais do que uma ofensa a quem exerce a atividade; é um desrespeito a todo o regramento da governança corporativa. Além, é claro, de um risco ao bom funcionamento empresarial e ao mercado como um todo.

Pois esse artifício vem sendo utilizado anos a fio, descaradamente, por diferentes gestões federais, não apenas em empresas estatais, mas em todas aquelas nas quais uma instituição governamental mantenha participação societária que lhe garanta o direito à indicação de conselheiro.

A BNDESPar, empresa de participações do banco estatal BNDES, tem assegurada a indicação de conselheiros administrativos para 22 empresas privadas. Como em algumas tem direito a mais de um assento, o total de indicações chega a 30. É o caso, por exemplo da Tupy, onde a BNDESPar, com participação de 28,2% do capital, indica três dos nove conselheiros. Há poucos dias, dois deles renunciaram, apesar de terem mandato a cumprir até 2025.

Mais correto seria dizer que “foram renunciados” para dar lugar a dois ministros indicados pelo governo, Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Carlos Lupi, da Previdência. O que os dois ministros entendem da indústria de ferro fundido? Não se sabe. E, tendo em vista suas áreas de atuação, é bem possível que não tenham ideia das prioridades estratégicas da fundição Tupy.

Cada um vai incorporar ao salário de ministro mais R$ 36.115,00 mensais como conselheiro, informou o Estadão. Caso passem a fazer parte de algum comitê interno de assessoramento ao Conselho de Administração, o que é comum nas empresas, este “extra” pode aumentar para até R$ 51 mil mensais.

Os conselheiros que lhes cederam a vez, ambos funcionários do BNDES, acumulam experiências profissionais como análise de aspectos regulatórios, financeiros e ambientais de projetos, conhecimento e atuação no mercado de capitais, além de passagens anteriores por Conselhos de Administração.

Assim, em uma canetada governamental, lá se vai para o ralo parte considerável do esforço de dotar de confiabilidade, credibilidade e transparência a atuação dos Conselhos de Administração no País. Um trabalho construído ano a ano, em torno dos conceitos de governança corporativa. Campanhas endossadas por investidores e acionistas pregam a ampliação de membros independentes, para evitar o risco de decisões lastreadas em interesses restritos à própria empresa.

Os profissionais que compõem os conselhos administrativos têm, como função principal, zelar pelo retorno financeiro do investimento feito pelos acionistas. Fiscalizam a gestão dos diretores executivos e com eles dividem responsabilidades perante o órgão de controle do mercado de capitais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É condenável e abusivo ocupar uma cadeira de tamanha relevância apenas para complementar renda.

Se o governo pensa que ministros de Estado e seus assessores são mal pagos, mais correto seria buscar aumentar as remunerações por instrumentos legais, não pelo expediente escuso de incorporar jetons de conselhos. Há que se observar critérios rigorosos de seleção de candidatos a essas vagas para realizar, de fato, os princípios éticos, sociais e de eficiência de governança, tanto privada quanto pública.