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Horizonte estreito

O programa de reindustrialização apresentado com fanfarra nesta semana tem como único horizonte a eleição presidencial de 2026. Não é, portanto, um plano de Estado, mas de governo

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Por Notas & Informações
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O governo Lula da Silva reagiu à saraivada de críticas que o plano de reindustrialização recebeu nos últimos dias. Houve um evidente esforço para destacar as diferenças entre o programa atual e as iniciativas de gestões petistas anteriores, mas faltam muitas explicações sobre alguns dos principais pilares da proposta, como os requisitos de conteúdo local, as metas aspiracionais do Nova Indústria Brasil (NIB) e o papel que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assumirá nesse contexto.

Medidas que incentivem a compra e o uso de produtos e serviços fornecidos por empresas nacionais não são uma novidade no País. Ao contrário, já foram muito utilizadas na tentativa de estimular o desenvolvimento de novas empresas e empregos na cadeia do petróleo e na indústria naval. Eivadas de boas intenções, tais políticas quase nunca alcançam os resultados almejados e, na última década, tiveram consequências trágicas na economia e no mercado de trabalho do Rio de Janeiro.

Não por acaso, requisitos de conteúdo local geram muita apreensão na iniciativa privada e, inclusive, em parte do governo. Nesse sentido, a ausência dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, na cerimônia de apresentação do plano da proposta não passou despercebida.

Não foi o único recado interno. Em entrevista ao Estadão, o assessor especial do Ministério da Fazenda e coordenador da agenda verde dentro da equipe econômica, Rafael Dubeux, cobrou cautela na implementação dessa política e o estabelecimento de prazos para que um determinado segmento beneficiado pela medida alcance padrões de competitividade internacional. “Se não evolui nada, tem de descontinuar”, afirmou, ressaltando que apenas setores nos quais o País tem chance de disputar mercados externos deveriam ser considerados.

Há também muitas dúvidas sobre o caminho para alcançar as metas aspiracionais do plano até 2033. Entre os objetivos definidos no documento estão a obtenção de autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas para a defesa; a produção nacional de 70% das necessidades do País na área de medicamentos, vacinas, dispositivos, materiais, insumos e tecnologias em saúde; e o suprimento de 95% do mercado agropecuário por máquinas e equipamentos de produção nacional.

Tão ambiciosas quanto pouco críveis, elas teriam sido a causa da irritação demonstrada pelo presidente Lula da Silva no anúncio do programa. Por isso, segundo o Estadão, foram retiradas da apresentação e do discurso do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin

Já o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luis Gordon, negou que o Tesouro fará aportes à instituição financeira. Não explicou, no entanto, como a emissão de Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCD) não afetará a política fiscal, uma vez que o banco pertence integralmente ao governo. Descartou, também, a possibilidade de o BNDES comprar ações de empresas, além da reedição da fracassada política de campeãs nacionais, mas disse que o banco lançará fundos para incentivar áreas “estratégicas” alinhadas às seis missões do plano.

Para o governo, as críticas ao plano são infundadas e vieram de especialistas que nem se deram ao trabalho de ler a proposta. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), é ainda pior: elas vêm de quem é contra o desenvolvimento do País. Reações como essas interditam um debate pertinente e que deveria ser feito com muito cuidado e com ampla participação da sociedade, haja vista o custo dos erros cometidos no passado recente na tentativa de impulsionar a indústria e a economia.

Políticas industriais bem-sucedidas no exterior priorizaram investimentos em pesquisa e inovação, o aumento da produtividade e o desenvolvimento de capital humano, a partir de áreas nas quais os países já tinham competitividade.

O programa de reindustrialização apresentado nesta semana tem como único horizonte a eleição presidencial de 2026. Não é, portanto, um plano de Estado, mas de governo.