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Insistência num velho e caro erro

Governo pretende usar Transpetro para alavancar a indústria naval brasileira. O PT não aprendeu nada com seus erros anteriores. Voluntarismo não cria desenvolvimento sustentável

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Por Notas & Informações
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A Transpetro, subsidiária da Petrobras para logística e transporte, anunciou o lançamento, em janeiro de 2024, de licitação para compra de navios de grande porte que pretende incorporar à sua frota. Serão três lotes, parte da encomenda total de 25 navios do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em entrevista ao Estadão, o presidente da Transpetro, Sérgio Bacci, afirmou que a intenção é construir no Brasil os petroleiros, seguindo a política de conteúdo local. “Se eu tiver cinco propostas disputando os três lotes, já estarei satisfeito”, disse.

Está dada a largada para mais uma arriscada cruzada com o objetivo de içar, a qualquer custo, a indústria naval. Seguindo exatamente o roteiro da recente – e fracassada – experiência petista no setor, o esquema é ancorado nas necessidades logísticas da Petrobras, no apelo político de criação de milhares de empregos e em encomendas gigantes, tanto em volume de recursos quanto na quantidade e tipo dos projetos. Trata-se de navios para transporte de petróleo e gás com capacidade em torno de 80 mil toneladas de produtos.

Recapitulando o script: nos dois primeiros governos Lula da Silva, a reativação da indústria naval, que patinava há mais de uma década, com estaleiros atolados em dívidas, foi proposta de campanha turbinada pela descoberta de petróleo na região do pré-sal. Encomendas bilionárias foram entregues a estaleiros que ainda nem existiam, uma empresa foi criada – a Sete Brasil – apenas para tocar os contratos e, no auge do que parecia o renascimento do setor, 82 mil empregos foram criados.

Sem expertise para projetos tão complexos, surgiram problemas graves de construção, atrasos nos cronogramas de entrega, revisões de preços nos contratos, aumento de custos. Para culminar, em 2014, com as investigações da Lava Jato foram revelados esquemas fraudulentos bilionários centrados na Transpetro e na Sete Brasil. A indústria voltou ao ostracismo. Endividada e em litígios judiciais com bancos e estaleiros, a Sete Brasil está desde 2016 em recuperação judicial, assim como três estaleiros criados naquela época.

O atual presidente da Transpetro acompanhou a história do outro lado do balcão. Até assumir o cargo, neste ano, Sérgio Bacci ocupava a direção do Sindicato Nacional da Indústria Naval (Sinaval). Assistiu de perto ao fiasco de um projeto megalômano, colocado em prática sem planejamento, sem a adequada capacitação de mão de obra, sem domínio tecnológico e sem condições de competir em custos com gigantes asiáticos que dominam um mercado globalizado. Assusta que esteja prestes a reeditar o malogro.

Sempre meritória, a criação de empregos não pode ser uma medida artificial. Para ser sustentável, deve ser consequência de políticas públicas pensadas a longo prazo. Ao impor conteúdo nacional exorbitante (o porcentual chegou a 70%) nas obras navais, o governo tornou a construção duas a três vezes mais cara do que em países que, com estrutura madura e consolidada, atingem produtividade suficiente para baratear custos. Não há como chegar a este nível num passe de mágica. Bacci sabe disso. O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e o presidente Lula da Silva também sabem. Mas parece que todos preferem o ilusionismo.

Quando foi criado, em 2004, o Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), já com a megaencomenda de 49 navios, a propaganda oficial era de que o ritmo de crescimento da produção de petróleo tornaria em poucos anos o Brasil competitivo no mercado naval. Partia de um pressuposto duvidoso ao acreditar que a demanda de uma única empresa, mesmo sendo do porte da Petrobras, pudesse empurrar toda uma indústria pesada como a naval à criação de escala para competir mundialmente.

“A indústria naval não pode errar de novo”, disse Bacci na entrevista. O presidente da Transpetro deveria ouvir a si mesmo e repensar a forma de contribuir para a formação de um mercado bem-sucedido no País. Ao contrário do que ele defende, não adianta empurrar para “pegar no tranco”.