Benefícios fiscais excessivos concedidos pelos governos estaduais para atrair investimentos, sobretudo industriais, podem estar causando um dano colateral nas finanças desses Estados que, no futuro, poderá ter consequências graves para a população. O que, em nome da atração de mais investimentos privados, os Estados estão deixando de arrecadar - às vezes, sem amparo legal, o que configura prática tributária que outras unidades da Federação têm questionado na Justiça - corresponde a mais de duas vezes o valor que eles conseguem investir. É provável que, em pelo menos parte desses Estados, a renúncia fiscal já compromete seriamente a capacidade dos governos de ampliar a infraestrutura para atender às necessidades de seus habitantes e da sua economia em geral.Em estudo sobre a renúncia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, feito para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um grupo de pesquisadores coordenado pelo economista José Roberto Afonso constatou que, em 2012, a renúncia fiscal do ICMS alcançou R$ 52,79 bilhões, enquanto as despesas com investimentos dos governos estaduais somaram R$ 24,34 bilhões e a arrecadação total do tributo atingiu R$ 318,73 bilhões. A renúncia correspondeu a 16,6% do ICMS arrecadado e a 216,9% do total investido pelos Estados.A renúncia tributária é prevista na Constituição, que condiciona sua concessão à aprovação de lei específica. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, determina que as medidas de compensação à renúncia de receita e ao aumento de despesas obrigatórias e continuadas deverão estar previstas nas leis orçamentárias. São considerados renúncias fiscais qualquer subsídio ou isenção tributária, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido e anistia, entre outras medidas especiais que beneficiam os contribuintes.É generalizada a prática de concessão de benefícios tributários pelos governos estaduais. Em alguns, o impacto é muito mais acentuado. Enquanto conseguiu arrecadar R$ 6,5 bilhões de ICMS em 2012, o governo do Estado do Amazonas, por exemplo, deixou deliberadamente de arrecadar, por meio de renúncia fiscal, R$ 4,38 bilhões. Nesse caso, a renúncia correspondeu a 67,5% da arrecadação. No estudo citado, que se baseou em informações constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dos respectivos Estados, o governo de Goiás aparece em segundo lugar, logo abaixo do de Amazonas, como o que proporcionalmente mais abriu mão de receita (a renúncia correspondeu a 51,1% da arrecadação). Em terceiro está Santa Catarina, com renúncia equivalente a 37,9% da arrecadação.Não por acaso, esses são três dos quatro Estados que utilizam de maneira mais ativa os instrumentos da chamada guerra fiscal, isto é, a concessão de vantagens tributárias sem a aprovação unânime do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), como exige a legislação. O quarto Estado que mais tem utilizado a guerra fiscal para atrair investimentos, o do Espírito Santo, de acordo com informações da respectiva LDO, concedeu benefícios correspondentes a apenas 8,8% da arrecadação, índice menor do que o de São Paulo (9,9%) - cujo governo explicita e fundamenta legalmente a renúncia tributária em que incorre.As distorções provocadas pelo uso excessivo e ilegal de benefícios tributários por parte de alguns Estados sem a aprovação unânime do Confaz, e com prejuízos para outros, tornaram urgente o estabelecimento de regras mais claras e duras para a renúncia fiscal em âmbito estadual. Há mais de dez anos o tema vem sendo discutido no âmbito do Confaz e no Congresso Nacional, mas interesses divergentes dos Estados continuam a impedir um acordo. Das três iniciativas legislativas do governo federal anunciadas no início do ano passado para tratar da questão, só uma, um projeto de lei complementar, ainda continua a tramitar no Congresso, mas já bastante reduzido e deformado. Mesmo assim, sendo este um ano eleitoral, é pouco provável que seja examinado com rapidez.