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Opinião|Lula, Biden e os direitos dos trabalhadores

A situação de trabalhadoras e trabalhadores é tema que trata da vida de bilhões de pessoas, e por isso está no foco de personalidades com poder de decisão

Foto do author Jorge J. Okubaro

Desdenhar de atos ou palavras do adversário é parte do jogo a que se dedicam muitas pessoas. Sem surpresa, por isso, houve quem visse no discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Assembleia-Geral da ONU apenas um conjunto de palavras, talvez com algum significado, mas nenhuma importância.

O que dizer, então, do encontro em Nova York de Lula com o presidente norte-americano, Joe Biden? Eles não se reuniram para tratar das questões que aproximam ou afastam seus países e por vezes os colocam em posições distantes no cenário mundial, mas para distribuir uma declaração sobre a situação dos trabalhadores no mundo. Para os críticos, foi demonstração de falta de assunto de pessoas que deveriam estar na liderança do debate de mudanças vitais para o futuro da humanidade, como o aquecimento global, a transição energética, as transformações provocadas pela tecnologia, a paz mundial.

Mas há visões menos enviesadas. Trechos do discurso de Lula na ONU podem evidenciar contradição entre palavras e atos. Mas credibilidade, recuperação do prestígio e do protagonismo do Brasil no cenário internacional que haviam sido destruídos de maneira tacanha e risível pelo presidente anterior, reafirmação do papel do País nas grandes causas mundiais (do combate à fome à defesa da democracia e do meio ambiente) são seus pontos destacados por analistas e diplomatas.

Quanto ao encontro de Lula com Biden, aparentemente, houve falta de grandeza diplomática ou de relevância política no tema discutido. A declaração conjunta dos dois governos distribuída pelo Itamaraty cita no título a “parceria pelo direito dos trabalhadores e trabalhadoras”. Sugere pauta de reunião técnica da Organização Internacional do Trabalho.

A situação de trabalhadoras e trabalhadores não está entre as preocupações de parte da população, pois o que interessa a cada integrante dessa parcela é o destino de sua carreira individual. Mas é tema que trata da vida de bilhões de pessoas, e por isso está no foco de personalidades com poder de decisão, entre as quais, vê-se agora, os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil.

É uma informação auspiciosa. Formas até há pouco reconhecidas como essenciais para a defesa e proteção de trabalhadoras e trabalhadores em todo o mundo estão perdendo força, vão se esmaecendo e parecem, às vezes, perto de seu fim, sem que outras, com algum grau de eficiência apreciável, estejam surgindo para substituí-las.

Entre essas formas, o comunicado conjunto dos governos do Brasil e dos Estados Unidos cita os sindicatos. “Os trabalhadores e trabalhadoras e os seus sindicatos lutaram pela proteção no local de trabalho, pela justiça na economia e pela democracia nas nossas sociedades”, diz, em seu primeiro parágrafo.

Há pouco, o IBGE divulgou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua mostrando que, em dez anos, os sindicatos brasileiros perderam 5,275 milhões de associados. Pela primeira vez desde 2012, o número de sindicalizados ficou abaixo de 10 milhões. Apenas 9,2% dos trabalhadores ocupados são filiados a um sindicato.

Há causas externas para a perda da representatividade dos sindicatos. Novas formas de divisão e organização do trabalho impulsionadas pela globalização, pelo avanço da tecnologia de informação, pelo uso cada vez mais intenso da inteligência artificial são algumas delas. No Brasil, a rápida desindustrialização, que retarda a modernização do sistema produtivo e que, se não revertida, condena o País à mediocridade no plano internacional, acentuou uma tendência mundial de enfraquecimento do apoio às organizações sindicais.

A reforma trabalhista de 2017, que reduziu o papel dos sindicatos nas negociações entre empregados e empregadores, igualmente pode ter desestimulado trabalhadores a se filiar às entidades sindicais de suas categorias.

E, por fim, os próprios sindicatos, formados sob a legislação trabalhista baixada em 1943, durante a ditadura do Estado Novo, desenvolveram vícios para beneficiar seus dirigentes à custa dos interesses dos trabalhadores, o que os afastou de suas bases. À perda da função de representação provocada pela reforma trabalhista somou-se a perda de receitas que chegavam generosamente a suas contas bancárias. As organizações sindicais ainda buscam novo papel e fontes de sustentação material e política. Parecem perdidas.

Ainda que se possa colocar em dúvida o êxito de iniciativas conjuntas como a de Lula e Biden, seus objetivos precisam estar claros para todos. Um deles, por exemplo, é proteger os direitos de trabalhadoras e trabalhadores; outro é facilitar a transição para a economia digital e de energia limpa; e um terceiro é combater a discriminação no local de trabalho, especialmente contra mulheres, pessoas LGBTQI e grupos raciais e étnicos. Deveriam ser também objetivos das pessoas comprometidas com a democracia.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)