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Justa desconfiança sobre o BNDES

Petistas já usaram o banco para favorecer empreiteiras camaradas e regimes companheiros, e por isso é justo suspeitar da volta dos financiamentos no exterior, mas não se deve proibi-los

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Por Notas & Informações
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O calafrio é inevitável. A tentativa do governo de Lula da Silva de oficializar o retorno dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras de empreiteiras brasileiras no exterior, por meio de projeto de lei recentemente enviado ao Congresso, faz lembrar os tempos tenebrosos em que o banco foi usado pelos governos petistas para favorecer empreiteiras camaradas e regimes companheiros.

Desde o início do ano tramitam na Câmara quatro projetos de deputados de oposição propondo justamente o contrário: proibir o BNDES de fazer empréstimos para serviços no exterior.

Os parlamentares citam casos escandalosos, como o do Porto de Mariel, construído pela Odebrecht em Cuba sob a alegação de que serviria como espécie de escala estratégica para as exportações brasileiras. Com financiamento de US$ 638 milhões do BNDES, o porto está prestes a completar dez anos. Apenas uma parcela mínima do empréstimo foi paga, Cuba ainda deve US$ 520 milhões, e o prometido uso pelo Brasil também não se concretizou.

O caso cubano é apenas um dos tantos exemplos de desvirtuamento da função do BNDES, e faz sentido que se desconfie das intenções do governo petista ao restabelecer esse tipo de financiamento do banco. No entanto, também não é desejável que se proíba totalmente essa atuação do BNDES, porque o financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia no exterior é necessário. O programa, lançado em 1998, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, estimula empresas nacionais e gera empregos no Brasil. Se bem formulados – e, sobretudo, se a avaliação de risco for real, e não movida por considerações ideológicas –, esses contratos são quase sempre vantajosos para o País.

Agora, o Tribunal de Contas da União (TCU) participou do desenvolvimento da nova proposta em conjunto com o corpo técnico do BNDES. Proibiu, por exemplo, novos financiamentos a obras em países inadimplentes com o Brasil. A intenção é criar uma espécie de marco regulatório, como disse ao Broadcast/Estadão o diretor de Comércio Exterior do banco, José Gordon. O uso de padrões internacionais utilizados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) dá à ferramenta um aspecto mais moralizador.

O ponto negativo é justamente o vício da gestão petista, que naturalmente cerca de suspeitas as iniciativas desse tipo. O dinheiro público destinado a promover o desenvolvimento não deve, sob qualquer pretexto, servir de incentivo a projetos político-ideológicos, não importa quais sejam. Frisando que é o governo federal que estabelece as operações por meio de sua administração direta e que as condições de financiamento são ditadas pelo BNDES, as dúvidas sobre que tipo de tratamento será dado a esses empréstimos, desde o prazo até os juros, são muitas.

E em nada ajudam declarações como a do presidente do banco, Aloizio Mercadante, desdenhando da consequência dos calotes da Venezuela, de Cuba e de Moçambique, que, juntos, somam US$ 1,12 bilhão, ou cerca de R$ 5,7 bilhões pelo câmbio atual. Em outubro, quando participava de um fórum em Paris, ele reagiu com irritação ao ser questionado sobre a inadimplência desses empréstimos: “Vocês (jornalistas) ficam com esse nhenhenhém, que é uma coisa absolutamente irrelevante para o BNDES”.

Ao contrário do que disse o sr. Mercadante, nenhuma inadimplência é irrelevante para banco nenhum, sobretudo para o BNDES, um banco público de fomento que tem como único acionista o Tesouro Nacional. No caso específico de financiamento de serviços no exterior, o Fundo de Garantia à Exportação (FGE), vinculado ao Ministério da Fazenda, assume eventuais calotes. Ou seja, o dinheiro para arcar com o prejuízo de financiamentos malfeitos é dos contribuintes, tenham ou não qualquer simpatia por Cuba, Venezuela e quejandos.