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Mais autoritário, impossível

Ao ser acionada contra jornalista, a tal Procuradoria de Defesa da Democracia já diz a que veio

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Por Notas & Informações
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Quando o governo Lula anunciou a criação de um órgão para combater “a desinformação sobre políticas públicas” – a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, vinculada à Advocacia-Geral da União (AGU) –, este jornal criticou a iniciativa (ver o editorial O monopólio lulopetista da verdade, 5/1/2023). Não cabe ao governo definir o que é desinformação, menos ainda estabelecer o que é a verdade.

A medida do governo era uma evidente contradição. Com o objetivo oficial de defender a democracia, o órgão se propunha a realizar uma tarefa própria dos regimes autoritários: o estabelecimento pelo governante do que pode ser dito numa sociedade.

Recentemente, a pretensão autoritária materializou-se. O advogado-geral da União, Jorge Messias, determinou à Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia “a imediata instauração de procedimento contra a campanha de desinformação promovida pelo jornalista”. Referia-se a Alexandre Garcia que, no canal da revista Oeste, no YouTube, havia defendido a necessidade de investigar “que não foi só a chuva” a causa das enchentes no Rio Grande do Sul, mencionando a criação, na gestão estadual anterior do PT, de três represas “que aparentemente abriram as comportas ao mesmo tempo”.

A informação sobre suposta causa adicional foi desmentida pelo Estadão. Não existe a possibilidade aventada, uma vez que as hidrelétricas foram construídas com técnica que não interfere na vazão dos rios, apurou o jornal.

No entanto, a arbitrariedade da atuação da AGU não tem nenhuma relação se a hipótese aventada pelo jornalista era correta ou não. O ponto é prévio. Não cabe ao Executivo fazer o controle da informação numa sociedade livre. Não cabe ao Estado ter censores da verdade, que, como se pôde constatar agora, são usados apenas contra os inimigos do governo.

Desde janeiro, o presidente Lula e o PT difundiram diversas inverdades sobre questões públicas. Caso recente foi a reedição da historieta do golpe contra Dilma Rousseff, a partir da distorção do conteúdo de uma decisão judicial. Reconhecendo a condenação de Dilma Rousseff por crime de responsabilidade em razão das pedaladas fiscais, o juiz entendeu que não cabia uma dupla responsabilização. Absolveu-a sumariamente, sem entrar no mérito do caso. No entanto, Lula e o PT disseram que a sentença havia desautorizado o processo de impeachment. Não se viu a AGU agir para impedir a difusão de tal desinformação que, entre outros danos, ofende gravemente o Legislativo e o Judiciário.

Dizer que o Estado não é o censor da verdade não significa postular um regime de irresponsabilidade para o jornalismo. A imprensa responde juridicamente pelo que publica. Mas a análise dessa responsabilidade é feita a posteriori pelo Judiciário, com as garantias próprias de um processo judicial. Não é o Executivo, porque assim o quer, quem define o que pode ser dito. Isso não é democracia. É mais que hora de ser reconhecida a inconstitucionalidade da tal Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia.