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Mais um golpe baixo de Putin

Ataque contra as exportações ucranianas de grãos mostra o quão longe o ditador pode ir

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Por Notas & Informações
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A ofensiva russa às exportações de grãos ucranianos golpeou duplamente a esperança de uma solução pacífica e razoável do conflito. Primeiro, ela sinaliza que Vladimir Putin não hesitará em empregar a economia como arma e impor custos e vítimas à população ucraniana, à sua própria e à do mundo inteiro para avançar sua guerra criminosa. Mostra também que Putin não busca uma saída diplomática, mas se prepara para uma guerra maior e mais longa. Por outro lado, o golpe baixo é um sinal de que suas opções estão se esgotando.

Em meados do ano passado, as partes beligerantes fizeram um acordo supervisionado pela Turquia e pela ONU para garantir o escoamento de grãos ucranianos pelo Mar Negro. Normalmente, a Ucrânia responde por 10% das exportações de trigo para o mundo e de 10% a 15% das de milho. O acordo ajudou a reduzir os preços aos níveis pré-guerra e evitar uma epidemia de fome. Mas, no dia 17, a Rússia repudiou o acordo e passou a bombardear portos e outros canais de exportação.

A alegação de Putin de que o acordo só enriqueceu países ocidentais e que as promessas de isentar exportações russas de sanções foram quebradas é uma mentira flagrante. As exportações russas de alimentos e fertilizantes não estão sob sanções e cresceram em 2022, e o arranjo beneficiou todos os que importam alimentos.

A intenção de Putin é estrangular a economia ucraniana e extorquir o Ocidente. A curto prazo, o primeiro objetivo deve se mostrar mais bem-sucedido. Desde o início da guerra, a Ucrânia e seus aliados buscam rotas alternativas. Mas elas são insuficientes e custosas e também têm sido atacadas por Putin.

No mercado global, embora os preços já tenham subido, as pressões devem ser, por ora, amortecidas. Desde 2022, as safras e exportações de trigo da Europa, Austrália, Canadá, EUA e da própria Rússia aumentaram. A escassez do milho ucraniano tende a ser compensada pela produção do Brasil. Mas, a médio prazo, os riscos de desastre alimentar crescem. O bloqueio concentrará o suprimento em poucos exportadores, tornando o mercado mais vulnerável a novos choques. Ondas de calor e estiagem podem reduzir as safras. E as exportações russas são manipuladas a serviço da guerra de Putin.

Além dos impactos econômicos, a ofensiva de Putin sinaliza o afastamento da diplomacia. Recentemente, seu Parlamento biônico aprovou uma lei ampliando a capacidade de alistamento compulsório. Putin sugere que a condição para retomar o acordo é um alívio às sanções. Mas a chantagem não será aceita pelos ocidentais, que já planejam maneiras de romper o bloqueio ilegal em águas internacionais, seja fornecendo mísseis à Ucrânia, seguros aos comboios ou, no limite, escolta militar. Mas isso amplia os riscos de confronto direto entre a Rússia e outros países.

Para as nações que pressionam por um cessar-fogo desigual ou tentam se manter neutras, essa situação serve para advertir de que sua isenção só fortalece as mãos do tirano russo para perpetuar crimes contra a Ucrânia, e, se necessário, sacrificar suas próprias populações.