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Mais uma do MEC

Ao restringir viagens de docentes e cientistas, o MEC afasta o Brasil do mundo globaliza

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Por Notas e Informações
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Na mesma semana em que a imprensa mundial divulgou que universidades e centros de pesquisa do mundo inteiro estão promovendo encontros científicos para tentar coibir o avanço da epidemia de coronavírus, os jornais brasileiros publicaram a Portaria n.° 2.227, baixada pelo Ministério da Educação (MEC) no último dia de 2019. Num de seus artigos, ela estabelece que os órgãos vinculados à pasta – inclusive as universidades federais e os institutos técnicos – só podem autorizar, “no máximo, a presença de dois representantes em eventos no País e um representante para eventos no exterior”, mesmo que os gastos com viagens e diárias não sejam pagos pela União.

Os dois fatos estão vinculados e dão a medida da incompetência administrativa e da insensibilidade do MEC na gestão de um governo que já bloqueou verbas do ensino superior público e acusou as universidades federais de ser “locais de balbúrdia e doutrinação”. Na prática, a portaria inviabiliza reuniões da mais alta relevância da comunidade acadêmica, onde cientistas discutem com colegas o estágio de suas pesquisas, descobertas preliminares e dados coletados ou que aguardam publicação. Também dificulta encontros científicos financiados por organismos multilaterais e por agências internacionais de fomento à pesquisa.

Em resposta a mais essa iniciativa desastrada do MEC, cerca de 40 entidades científicas lideradas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) divulgaram um documento, solicitando ao ministro Abraham Weintraub a revogação de alguns artigos da portaria, especialmente os que dispõem sobre procedimentos para afastamento de professores, cientistas e pesquisadores.

O documento lembra que a portaria prejudica a internacionalização e o protagonismo da ciência e da tecnologia nacionais. A portaria também impede a realização de seminários, congressos, simpósios e reuniões anuais de sociedades científicas, dificultando a troca de experiências entre jovens pesquisadores. E ainda ameaça a realização de missões bilaterais e colaborações internacionais, que foi um dos instrumentos utilizados nas últimas décadas por países asiáticos – como Coreia do Sul – para colocar suas instituições de ensino e pesquisa nas primeiras colocações dos rankings de qualidade.

“As restrições à mobilidade contribuirão para o empobrecimento da formação do jovem cientista brasileiro, fato que não ocorre em nenhum outro país que preze pela ciência e pela tecnologia. Devido ao crescimento exponencial do conhecimento científico, é comum ter, em uma mesma unidade ou grupo de pesquisa, cientistas que, embora reunidos em torno de um tema, trabalham em projetos e subáreas distintas. Por isso mesmo, é frequente, em reuniões nacionais e internacionais, a participação de membros de uma mesma unidade ou grupo de pesquisa”, diz o documento.

Segundo o presidente da ABC, o físico Luiz Davidovich, a portaria foi escrita por quem não entende de ensino e pesquisa, que é o caso de Weintraub. Dirigentes de outras entidades vão além. Segundo eles, os problemas da portaria não foram causado só por ignorância e incompetência, mas, também, por preconceito ideológico, tal a aversão de vários ministros do governo Bolsonaro à globalização. Esse argumento ganhou força depois que, procurada para comentar a reivindicação das sociedades científicas, a equipe de Weintraub afirmou que a resposta seria dada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), cujo novo presidente é defensor da teoria criacionista, que se opõe à teoria da evolução das espécies, que há muito tempo foi endossada pela ciência.

A escalada de descalabros do MEC resulta do erro que o governo Bolsonaro cometeu ao privilegiar critérios mais religiosos do que técnicos, numa área tão estratégica para o futuro do País, como a educação e a ciência.N. da R. – A revogação da portaria evita seus efeitos, mas não apaga sua inspiração.