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Manobra diplomática

Conselho de Segurança da ONU supera polarização e aprova envio de força multinacional ao Haiti

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Por Notas & Informações
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Em situação de paralisia desde a invasão da Rússia à Ucrânia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou o envio de uma força multinacional ao Haiti sob o comando do Quênia no último dia 2. Não se tratará de uma operação clássica de paz e estabilização da ONU, mas de alternativa para remediar a violência descomunal de gangues contra a população civil. Nada indica o êxito pleno da missão no mais pobre do Hemisfério Ocidental, alvo de seis operações da ONU no passado. Porém, há de se ressaltar como notável o fato de ter havido uma primeira trégua nas trincheiras do Conselho em favor de uma causa emergencial.

O pedido do primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, de envio de missão das Nações Unidas dormia no Conselho de Segurança desde o ano passado. Solicitações como essa nunca vêm à toa e sem expectativa de resposta expedita. A deterioração do ambiente político, marcada pelo assassinato de seu antecessor, Jovenel Moise, em 2021, e a impossibilidade de realização das eleições previstas somaram-se ao terror promovido pelas gangues além dos limites de Porto Príncipe. O caos agravou-se neste ano, quando se registraram mais de 3.000 assassinatos e a fuga de 200 mil civis de suas casas, sob a inação de um Conselho travado pela polarização.

Deve-se a um esforço diplomático, no qual o Itamaraty teve ascendência, a manobra inédita de se constituir o Apoio de Segurança Multinacional (MSS na sigla em inglês) – uma operação policial e militar de países voluntários que não replica o modelo das 72 missões realizadas pela ONU desde 1948. A iniciativa do Quênia de conduzir o MSS no Haiti abrandou o potencial veto da China e da Rússia, que se abstiveram de votar.

O mandato do MSS no Haiti estará concentrado na preparação de forças policiais, na segurança de escolas e hospitais e na infraestrutura e, especialmente, na proteção aos civis. Já será um bom começo se o Quênia, criticado por abusos aos direitos humanos e uso excessivo da força em casa, respeitá-lo. A principal dúvida está no fato de o novo modelo desobrigar o país africano a se reportar à ONU.

O governo Lula da Silva decidiu corretamente não pôr a mão na massa desta vez. Embora jamais seja ignorado pelo Brasil, o Haiti já não habita sua área de influência. Se vier a participar do MSS, será pontualmente e com envio de poucos soldados, avisou o Itamaraty. O Brasil saiu escaldado dos seus 13 anos à frente da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah). Não se esquece que o apoio financeiro internacional, essencial para fomentar uma mínima estrutura econômica e social, não passou de promessa.

Fato é que, seis anos após o fim da Minustah, o Haiti não deixou a miséria e retomou o ambiente catastrófico que quase o expôs a uma guerra civil. Há quem questione se há salvação para o país caribenho. Também há os que veem com ceticismo a ação dos capacetes azuis da ONU nas últimas décadas. As discussões são válidas. Não aceitável seria a inação do Conselho de Segurança por mais tempo.