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Manual para afugentar investidores privados

Com uma infraestrutura deficiente e debilitada, o País não deveria se dar ao luxo de dispensar investimentos privados, mas será preciso bem mais do que retórica para atrair novas empresas

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Por Notas & Informações
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O governo quer atrair novas empresas para projetos de concessão e Parcerias Público-Privadas (PPPs) da nova edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que é preciso diversificar, uma vez que os grupos que já atuam no País estariam sobrecarregados.

O diagnóstico do ministro não é exatamente novo. O certame para a concessão de estradas no Paraná realizado no ano passado foi disputado por dois fundos de investimento que já atuavam na área e no País. Já o leilão da chamada “rodovia da morte”, em Minas Gerais, não teve interessados.

Nas ferrovias, a opção do governo foi a de renovar os contratos de concessão das atuais administradoras em troca da antecipação dos investimentos. Com algumas exceções, os leilões de aeroportos também têm registrado uma certa concentração de empresas que já haviam adquirido outros ativos.

Com uma infraestrutura deficiente e um orçamento estrangulado, o Brasil não deveria se dar ao luxo de dispensar os investimentos da iniciativa privada. Porém, ao contrário do mercado financeiro, capaz de atrair capital externo interessado no diferencial das taxas de juros, o setor de infraestrutura ainda desperta muitas dúvidas nos investidores. E não sem razão.

Basta lembrar o então prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella destruindo as praças de pedágio da Linha Amarela em outubro de 2019. Mais recentemente, após uma tempestade que deixou regiões da capital paulista por dias sem luz, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, entrou em uma saga judicial demagógica para tentar rescindir o contrato com a Enel.

Cenas e atitudes como essas ocorreram nas duas principais cidades do País. É importante que se diga, no entanto, que atos de irresponsabilidade nessa seara não são exclusividade dos prefeitos.

O edital de privatização do Porto de Santos chegou a ser enviado para apreciação do Tribunal de Contas da União (TCU) no governo Bolsonaro, mas o processo foi suspenso após a eleição do presidente Lula da Silva.

No caso da privatização da Eletrobras, aprovada pela Câmara e pelo Senado, o governo federal, por meio de uma ação no Supremo Tribunal Federal, tenta reverter sua perda de influência nos rumos da empresa, materializada no menor número de assentos no Conselho de Administração.

Para dar sobrevida a estatais estaduais, o Executivo tentou passar por cima do marco do saneamento, também aprovado pelo Congresso, por meio de decreto, ainda que a incompetência dessas empresas em universalizar o acesso à água e ao esgoto tratados esteja mais do que atestada.

Como explicar essas idas e vindas, de maneira convincente, para os investidores privados que tanto se pretende atrair? Eis o tamanho do desafio do ministro da Casa Civil, que precisará muito mais do que retórica para mostrar que o Brasil respeita contratos e tem segurança jurídica, regras claras e agências reguladoras independentes. Também será preciso dobrar a aposta em medidas que favoreçam o ambiente de negócios.

Algo que também faria diferença nessa área seria a reconquista do grau de investimento. Fundos de pensão estrangeiros, que tradicionalmente investem em ativos de infraestrutura, têm limitações para aplicar recursos em países mal avaliados pelas agências de classificação de risco.

No caso brasileiro, a maior dúvida das agências não é a exposição ao setor externo, mas a política fiscal. Não por acaso, ao elevar o rating soberano do País, logo após a aprovação da histórica reforma tributária pelo Legislativo, a agência de classificação de risco S&P enfatizou a importância de que o País permaneça na rota do pragmatismo para criar as bases para um crescimento econômico sustentável e perene.

Nesse sentido, a defesa do déficit zero é importante, mas insuficiente. Como mostrou o Banco Central, a dívida bruta do País voltou a subir pela primeira vez em três anos e atingiu 74,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Garantir que a curva do endividamento público pare de crescer e atinja a estabilidade é fundamental para que o País passe a ser visto como um destino seguro para os investidores de longo prazo.