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Marina, o vaso chinês de Lula

Popstar do ambientalismo, a ministra do Meio Ambiente tem o desafio de convencer o presidente de que pode ser mais do que um adorno simbólico que serve às ambições do presidente

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Por Notas & Informações
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Movidos entre o espanto, a tristeza e a solidariedade diante da tragédia que atinge o Rio Grande do Sul, muitas lideranças políticas parecem, enfim, ter acordado para a estreita relação entre catástrofes naturais e as mudanças climáticas. É o que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acertadamente chamou de “pedagogia do luto”: uma pedagogia dolorosa, ancorada no cenário de morte e prejuízos incalculáveis, a nos ensinar sobre o novo normal climático, no qual a escalada do aquecimento global passa a tornar mais frequentes desastres como o que abalou o Sul do País.

Chama a atenção, no entanto, que a própria Marina se veja às voltas de uma contradição intrínseca ao governo do presidente Lula da Silva neste momento. Popstar do ambientalismo e uma das lideranças que poderiam encabeçar os debates e as soluções, a ministra é também aquela que tem suas atribuições esvaziadas dentro do governo. Antes fosse um sinal de timidez e comedimento de Marina. Não é. É, isso sim, parte de uma deficiência crônica de Lula: é preciso pelo menos fingir que se interessa por uma questão que se tornou decisiva em todo o mundo, e a ministra do Meio Ambiente, com seu capital simbólico na área, é um ativo poderoso a ser usado em circunstâncias e fóruns especiais.

O novo capítulo desse enredo de desidratação da ministra, restringindo-a à força do seu capital simbólico, foi escrito mais uma vez no Congresso, com o beneplácito do Palácio do Planalto. Conforme informou a Coluna do Estadão, em meio às discussões para socorrer o Rio Grande do Sul, a Comissão do Meio Ambiente da Câmara resgatou um projeto que autoriza o uso dos recursos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima para enfrentamento a desastres naturais e reduz o peso da pasta de Marina, que seria obrigada a dividir a coordenação do manejo dos recursos com o Ministério do Desenvolvimento Regional. A proposta tem autoria de um governista, o deputado federal José Nelto (PP-GO). O fundo foi recriado em 2023, com previsão de utilização exclusiva para financiar projetos, estudos e empreendimentos de mitigação e adaptação das cidades às mudanças climáticas.

O projeto pode não seguir adiante, mas o resgate da proposta é, em si, mais uma evidência do enfraquecimento da ministra – rota descendente que começou ainda nos primeiros meses de mandato. Em meados do ano passado, o presidente não mexeu um músculo enquanto o Congresso desossava a medida provisória que reestruturava os Ministérios e órgãos ligados à Presidência, prejudicando os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Tudo isso em troca da manutenção do poder do núcleo palaciano. Algumas semanas mais tarde, diante da repercussão, Lula vetaria parte do trecho aprovado pelo Legislativo, devolvendo alguns poderes a Marina Silva. Mas deixou claro que ela está entre os nomes que poderiam ser rifados em caso de instabilidade na relação com o Congresso.

Até o caos no Rio Grande do Sul, Lula não havia dado demonstração efetiva de que estava convencido do imperativo da transição energética e da proteção ambiental. O demiurgo petista não hesita em se autoproclamar o herói da floresta quando está diante de plateias internacionais, onde pode se apresentar como o verdadeiro salvador do planeta, mas é enorme o abismo que separa essa retumbante retórica de Lula e a prática de um governo hesitante sobre as mudanças climáticas, consequência inevitável da falta de entusiasmo de Lula com as questões ambientais. Lula, convém lembrar, sempre reclamou de quem atrapalhava as obras de seu governo a pretexto de proteção do meio ambiente, queixa sintetizada na clássica história da perereca impertinente que atrasava obras: “Não podemos parar tudo por causa de uma perereca”, dizia ele no segundo mandato, enquanto criticava órgãos de proteção ambiental.

Agora Marina informa que deverá entregar ao presidente um plano de prevenção de acidentes. Quer debater a criação de um estatuto jurídico para reconhecer que existe uma emergência climática permanente. Precisará, no entanto, muito mais do que um bom plano para convencer o chefe de que pode liderar as discussões de longo prazo da transição. E, sobretudo, de que pode ser mais do que um vaso chinês – valioso, mas meramente decorativo – para as ambições de Lula.