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Meta mantida, por enquanto

Haddad terá ainda de convencer o presidente Lula sobre a importância da responsabilidade fiscal. Até que isso ocorra, se é que vai ocorrer, sua vitória terá sido parcial e temporária

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Por Notas & Informações
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Duas das principais agências de classificação de risco do mundo, a Fitch e a Moody’s, reafirmaram a importância de o governo manter inalterada a meta de zerar o déficit fiscal em 2024. Mudar o compromisso, segundo as agências, embora não levasse necessariamente a um rebaixamento das notas de crédito do País, comprometeria a credibilidade do novo arcabouço fiscal e atrapalharia os esforços para a recuperação do grau de investimento pelo País.

A vice-presidente da Moody’s para risco soberano, Samar Maziad, chamou a atenção para algo que parte do governo se recusa a assimilar. Segundo ela, os sinais que o Executivo tem passado a respeito da meta pesam tanto ou mais que o número em si. Em outras palavras, não basta apenas manter o compromisso. É preciso demonstrar verdadeira disposição para atingi-lo, para assim conter a trajetória ascendente da dívida pública.

Crucial para reposicionar o Brasil na rota dos investimentos dos maiores fundos de investimento do mundo, o alerta das agências veio a calhar e, aparentemente, foi ouvido. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, Danilo Forte (União-CE), confirmou que a meta não será modificada, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, poderá respirar aliviado – ao menos por alguns meses.

Em março, o governo terá de divulgar o primeiro relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do ano. O principal recurso a indicar a disposição do Executivo para cumprir a meta será o contingenciamento de despesas. Mas é bom lembrar que até mesmo o bloqueio temporário de despesas entrou na mira de Lula, justamente por incidir sobre investimentos e obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Até lá, Haddad terá de trabalhar para aprovar medidas que reforcem a arrecadação da União no Congresso – como a reforma tributária, a taxação de fundos exclusivos, offshore e os juros sobre capital próprio, a regulamentação das apostas esportivas e a proposta que altera a tributação de grandes empresas que recebem subvenção dos Estados. Será um desafio e tanto, uma vez que a agenda está longe de ser consensual e o Congresso já está reduzindo o ritmo de votações em razão dos feriados e da proximidade das festas de fim de ano.

Fato é que a evolução do debate fiscal nas últimas três semanas mostra a pertinência do alerta das agências de classificação de risco. No fim de outubro, Lula desautorizou Haddad ao dizer que um déficit de 0,25% ou de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) não seria “nada”. Depois de muito ruído, o governo acabou por não enviar uma mensagem modificativa para formalizar a proposta ao Congresso, e o Legislativo não quis assumir o ônus por alterá-la por conta própria, a despeito do risco de bloqueio das emendas parlamentares.

O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), no entanto, prontamente apresentou emendas à LDO que permitiriam um déficit de 0,75% ou de 1%. Ainda que suas emendas não tenham sido acatadas, é bastante simbólico que a flexibilização que ele propôs tenha ido além, muito além do que o próprio Lula havia defendido no café da manhã com jornalistas, em 27 de outubro. Ademais, permanece no ar a possibilidade de a meta ser alterada diretamente no projeto do Orçamento, última votação antes do recesso parlamentar.

Haddad terá ainda que convencer o presidente Lula sobre a importância da responsabilidade fiscal. Até que isso ocorra, se é que vai ocorrer, sua vitória terá sido parcial e temporária. Em conjunto, as medidas para reforçar a arrecadação podem até reduzir o rombo nas contas públicas, mas não serão suficientes para resolver o problema que o ministro tem em suas mãos. “A fraqueza do arcabouço é a dependência de receitas”, ressaltou Maziad ao Estadão.

É nas despesas que o governo terá de mexer se realmente quiser reduzir o déficit fiscal e reverter o buraco no médio e longo prazos. Não se vê, no entanto, qualquer esforço claro e efetivo nesse sentido, pelo contrário, e o plano de revisão de gastos do Ministério do Planejamento e Orçamento continua em banho-maria, se é que já não morreu de vez.