EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Cumpre derrotar Bolsonaro hoje

A necessidade de apoiar o PT em 1989 e em 1992, para buscar derrotar Collor e Maluf, renova-se hoje, com muito maior gravidade.

Atualização:

Na eleição presidencial de 1989, na qual os maiores partidos foram derrotados no primeiro turno, trabalhei em prol da candidatura do meu mestre Ulysses Guimarães, de quem fora assessor especial na Constituinte e a pedido de quem obtive de vários advogados alagoanos retrato de corpo inteiro de Collor, não denunciados na campanha, por causa da índole própria de Ulysses de não recorrer a acusações mesmo que pertinentes. Mas a biografia do “caçador de marajás” era comprometedora, a começar pelo escândalo da restituição do ICMS da cana aos usineiros, seus correligionários, que já tinham sido ressarcidos pelo Instituto do Álcool e do Açúcar, seguida da concessão de isenção do ICMS.

Assim, contra Collor, que se antecipava um perigoso desviante, votei, no segundo turno, em Lula – aliás, em posição idêntica àquela assumida por Mario Covas e todo o PSDB no famoso comício do Pacaembu. Logo saí do PMDB, que virara o partido do Quércia, e passei para o PSDB, onde estavam as forças políticas com as quais me iniciara na vida partidária.

Em 1992, sendo vice-presidente do PSDB de São Paulo, no segundo turno da eleição para prefeito, houve efetiva adesão do partido à candidatura de Suplicy, do PT, contra a figura de nosso figadal adversário, Paulo Maluf, representante da ditadura.

Em maio de 2018, escrevi aqui que votar em Bolsonaro era decidir pela volta à ditadura pelo voto. Em outubro daquele ano, à véspera das eleições, publiquei outro artigo, reproduzido em meu livro recente, Bolsonárias, denunciando ser desastroso votar em Bolsonaro por ser um sectário infenso à pluralidade e à democracia que se constrói pelo diálogo com o Congresso Nacional e com a sociedade em sua rica diversidade. E mais: o capitão candidato era defensor da tortura, sendo inaceitável tê-lo na Presidência. Anulei o voto: foi um erro, pois o destruidor mandato de Bolsonaro superou a expectativa negativa.

Agora, dei ao longo da campanha apoio à competente e séria senadora Simone Tebet, mas a polarização instalada não permitiu a racionalidade conduzir o eleitor, que em sua maioria se dividiu entre Lula e Bolsonaro.

A necessidade de apoiar o PT em 1989 e em 1992, para buscar derrotar Collor e Maluf, renova-se hoje, com muito maior gravidade, diante da angustiante, sufocante mesmo, possibilidade de novo mandato de Bolsonaro, com o risco de inaugurar a dinastia, sendo sucedido por um dos queridos filhos.

Vivenciamos, neste último quadriênio, imenso retrocesso civilizatório, graças ao cotidiano desprezo à dignidade da pessoa humana por Bolsonaro, a revelar uma personalidade perversa, sem freios morais, que o leva a ter gosto pela morte a ponto de designar o torturador Major Ustra como herói nacional; ao ridicularizar as vítimas de covid-19 imitando pessoa com falta de ar; ao dizer que vacina “só no Faísca”, seu cachorro; ao comentar, no enterro de Elisabeth II, que “todos um dia morrerão”, banalizando a perda de uma mulher notável, com desprezo pela dor do povo britânico ao transformar nossa embaixada em Londres em palanque eleitoral.

Há seis anos, imensa corrupção lavrou na Petrobras, operou-se intenso aparelhamento do Estado e deu-se causa a grave recessão, fruto do descalabro econômico do governo Dilma. Essas as razões do pedido de impeachment ao qual aderi. Mas a reprovação ao PT deve, agora, ceder frente à ameaça de mal maior. Votar em Lula não significa aprovar os desmandos ocorridos, mas reconhecer que a sensibilidade e a reverência à pluralidade voltarão a ditar o comportamento governamental, com respeito à diversidade da sociedade civil, vigendo a liberdade de se manter alerta contra novos desvios, sem ser objeto de perseguição política.

Votar em Lula afastará a atual discussão sobre a interferência das Forças Armadas no campo político. Não mais seremos continuamente atribulados pelas manifestações, com aplauso do presidente, em favor do fechamento do Congresso. Não mais se falará em golpe militar. Não mais se irá atingir o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e os seus ministros com ofensas chulas. Não mais serão chamados embaixadores para ouvir ataques levianos às urnas eleitorais, em reunião de dar vergonha ao País. Não mais se confundirá religião cristã com totemismo, ao bater no peito a fé em Cristo ao tempo em que se gritam elogios ao falo presidencial, autoproclamado infalível. Não mais se enfraquecerá a defesa do meio ambiente. Não mais se decretará sigilo por um século dos atos dos parentes. Não mais se deixará de acudir às populações indígenas, vítimas na pandemia do descaso governamental. Não mais haverá aplauso às chacinas. Não mais a ONU será transformada em palanque eleitoral.

Basta saber o que não ocorrerá no governo Lula, mas que sucederá com certeza em próximo governo Bolsonaro, para decidir, com tranquila convicção, sobre a necessidade de derrotar definitivamente o capitão desde já, hoje, no primeiro turno, pois no segundo tudo se pode esperar do seu descontrole, incitando seus sequazes fanáticos.

*

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Opinião por Miguel Reale Júnior
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.