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Nobel contra a tirania

Coragem de Narges Mohammadi, presa por lutar contra a opressão da teocracia iraniana, é premiada

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Por Notas & Informações
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A ativista pelos direitos humanos Narges Mohammadi não receberá presencialmente em Oslo, na Noruega, o Prêmio Nobel da Paz que lhe foi outorgado neste ano por desafiar a teocracia do Irã. Permanecerá, sob possíveis represálias, entre os muros de uma prisão no norte do país, onde está encarcerada para cumprir pena de mais de três décadas. Da mesma masmorra, a engenheira iraniana notabilizou-se por sua liderança dos protestos contra a opressão e a discriminação de mulheres em setembro de 2022, respondidos com brutal repressão pelo regime dos aiatolás.

“Sua corajosa luta teve um tremendo custo pessoal. No total, o regime a prendeu 13 vezes, a condenou em cinco ocasiões e a sentenciou a um total de 31 anos de prisão e a 154 chibatadas”, afirmou Berit Reiss-Andersen, presidente do Comitê Norueguês do Nobel.

A premiação da Fundação Nobel à dedicação e resiliência de Mohammadi “no combate à opressão das iranianas e em sua luta para promover os direitos humanos e a liberdade para todos” enfatiza a aversão internacional a um regime que, há 44 anos, sobrevive graças ao autoritarismo e à dura submissão da cidadania a códigos religiosos arcaicos e às suas prioridades nada afeitas à paz no Oriente Médio. A honraria estendeu-se aos milhares de mulheres e homens que se manifestaram no país, sob risco de morte e de prisão, contra a morte da jovem curdo-iraniana Mahsa Amini, sob custódia da polícia moral iraniana por não usar o véu conforme a lei.

Mohammadi, de 51 anos, atua há mais de três décadas como uma das vozes em prol da democracia, dos direitos humanos e pelo fim da pena de morte – condenação comumente aplicada no país contra opositores políticos.

A escolha da Fundação Nobel pelo nome de Mohammadi, entre outros 350 candidatos, dificilmente abalará as raízes tirânicas de um Estado regido por uma matriz radical do islamismo. Tampouco deverá conter o revanchismo de Teerã, acentuado sobretudo quando desafiado em seu território ou no plano internacional desde a Revolução de 1979. Em setembro, em reação às reivindicações ainda latentes do movimento “Mulheres, Vida e Liberdade”, criado por Mohammadi, o regime recrudesceu as regras sobre o vestuário feminino.

Ao anunciar a honraria, a Fundação Nobel e as Nações Unidas apelaram a Teerã pela libertação de Mohammadi. O prêmio pode garantir sua sobrevida. Mas sua liberação, mesmo para o encontro de sua família no exílio, é considerada improvável.

Há 122 anos, o Nobel da Paz destaca o trabalho de forjadores de acordos de paz, ainda que relegados ao esquecimento, ativistas pelos direitos humanos, defensores de minorias e organizações humanitárias. É aguardado e reverenciado em um mundo ainda incapaz de prover garantias mínimas de vida e direitos elementares a boa parte de seus habitantes. Em 2023, ao escolher uma mulher presa e submetida a chibatadas pelo Irã, expõe a tirania como mais uma mazela a ser superada.