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O antilavajatismo e o neolavajatismo

A Justiça deveria estar empenhada em separar o joio do trigo. Mas, como se viu no CNJ, instâncias superiores estão imbuídas do mesmo messianismo justiceiro que corrompeu a Lava Jato

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Por Notas & Informações
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A Lava Jato desbaratou o maior esquema de corrupção de que se tem notícia no Brasil e, ao fazê-lo, restaurou na população a confiança – ou ao menos a esperança – de que ninguém está acima da lei, por maior que seja seu poderio político e econômico. Mas, ao se colocarem acima da lei e empregarem meios ilícitos para atingir seus fins, os próprios protagonistas da operação dilapidaram esse legado.

Intoxicada por um frenesi salvacionista, a Lava Jato se autoconferiu uma espécie de competência universal de combate à corrupção. As ilegalidades contaminaram a operação como uma metástase: conduções coercitivas e prisões preventivas arbitrárias; linchamentos públicos baseados em meras denúncias e delações; vazamentos seletivos; relações promíscuas entre juízes e procuradores; condenações sem provas e mais uma longa ficha corrida. O messianimo punitivista inflamou uma histeria antipolítica: todo político passou a ser visto como um corrupto em potencial; todo crítico, como cúmplice da corrupção. Assim, ao punir corruptos, a Lava Jato elevou a Justiça; ao justiçar políticos, o lavajatismo a desmoralizou.

Uma década após o início da operação, as instituições republicanas, em especial a Justiça, deveriam estar imbuídas da missão de separar o joio do trigo; debelar o câncer e restaurar o corpo. Mas não é o que se está vendo. Insufladas pelos ventos políticos, inflamadas por um ânimo revanchista, instâncias superiores da Justiça estão cometendo arbitrariedades a pretexto de combater arbitrariedades. São os mesmos métodos, o mesmo narcisismo, o mesmo maniqueísmo, o mesmo jacobinismo, mas agora com o sinal trocado. O antilavajatismo converteu-se em um neolavajatismo.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, que por anos validou a operação, agora se empenha em fazer terra arrasada dos acordos e delações de criminosos confessos.

O capítulo mais recente é o julgamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o emprego dos recursos oriundos de acordos de colaboração e leniência. A Corregedoria acusa a juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro, de uma “gestão caótica” do dinheiro e um “conluio” para alocá-lo conforme o “interesse exclusivo da força-tarefa”. Um juiz e três desembargadores são acusados de descumprir decisões do STF ao anularem decisões do juiz Eduardo Appio, que assumiu a Lava Jato, revertendo decisões de Moro.

São acusações plausíveis, que serão devidamente julgadas pelo plenário. Mas não é preciso entrar no mérito para reconhecer a desproporção e a arbitrariedade das medidas tomadas pelo corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão. Na segunda-feira, um dia antes do julgamento, Salomão afastou monocraticamente os juízes e desembargadores.

A Associação dos Juízes Federais reagiu prontamente, apontando que o alijamento é medida de última instância que pressupõe “motivos de natureza extremamente grave” e “contemporaneidade aos fatos”, “situações que não se verificam no caso em debate, já que os fatos imputados dizem respeito a matéria jurisdicional, cuja correção se dá através das instâncias recursais, e não por reprimenda correicional, sob pena de ofensa à independência do Poder Judiciário”.

Mesmo o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, um juiz conhecido por sua retórica contemporizadora, às vezes até melíflua, reagiu com palavras duras. Segundo ele, o afastamento foi medida “ilegítima, arbitrária e desnecessária”, lembrando que ela exige uma decisão colegiada ante faltas graves inequivocamente comprovadas. “Se chancelarmos isso, estaremos cometendo uma injustiça, senão uma perversidade.” Ao fim, o plenário reverteu a suspensão dos dois juízes, mas manteve a dos desembargadores.

A vontade de vendeta é indisfarçável. Há pouco tempo, o presidente Lula revelou que quando recebia procuradores na carceragem da Polícia Federal de Curitiba costumava dizer: “Só vai estar tudo bem quando eu f... esse Moro”. Ao que parece, não é o único a nutrir desejos inconfessáveis, não só em relação a Moro, mas a qualquer um que tenha relação com a Lava Jato.