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O bom começo da reforma tributária

Busca do consenso no Legislativo pode não resultar na reforma ideal, mas esta parece ser a melhor chance de o País dar fim ao manicômio tributário que atravanca seu crescimento

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Por Notas & Informações
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O grupo de trabalho responsável por elaborar a reforma tributária aprovou, de forma simbólica, o relatório com as diretrizes da proposta que será submetida à Câmara em julho. Embora ainda faltem muitos detalhes sobre o texto final, o cumprimento da etapa inicial de tramitação do tema na Casa demonstra haver uma compreensão sobre a necessidade premente de um novo sistema tributário.

No governo anterior, a reforma tributária fatiada proposta pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, fracassou fragorosamente, graças, sobretudo, a uma relação conflituosa, arrogante e confusa com o Congresso e com governadores e prefeitos. O governo de Lula da Silva, por outro lado, foi pragmático ao reconhecer o protagonismo do Legislativo na condução desses debates.

O texto que deu origem à proposta atual é o mesmo que havia sido discutido em 2021 – a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019. Os personagens também são os mesmos: o relator é Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e o presidente da Câmara é Arthur Lira (PP-AL), mas o clima é muito diferente. Desta vez, a leitura do relatório na Câmara teve a presença do secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

A reforma proposta pelo grupo de trabalho reunirá tributos federais, estaduais e municipais – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – em um Imposto de Valor Agregado (IVA). Ele será chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e será dual, com uma parte da alíquota administrada pela União e outra por Estados e municípios. A cobrança do IBS não mais incidirá na origem, mas no destino. As alíquotas ainda não foram definidas, mas já se sabe que haverá tratamento especial para alguns setores, como saúde, educação e transporte coletivo.

Como já havia sido acordado, regimes especiais como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus serão mantidos. Um dos pontos mais sensíveis da proposta são os benefícios fiscais concedidos por Estados e municípios para atrair empresas no passado. Para vencer esse obstáculo, que barrou muitas das propostas anteriores, esses benefícios serão mantidos até 2032, período em que haverá uma migração gradual para o novo sistema, possivelmente até 2034. O objetivo é minimizar e diluir os R$ 150 bilhões anuais com os quais o Tesouro teria de arcar para cobrir os custos da guerra fiscal de uma só vez, sem a transição.

Os deputados querem também garantir a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), para benefícios no futuro. Ele seria bancado pela União e ficaria fora do limite do arcabouço fiscal – uma fatura bastante elevada, de até R$ 60 bilhões, mas menor que a sangria provocada pela profusão atual de incentivos tributários.

O desafio do governo será frear o ímpeto do Congresso para aumentar a lista de setores beneficiados com alíquotas reduzidas – leia-se serviços – e a mais do que esperada grita dos maiores municípios do País, que não querem abrir mão de sua arrecadação. Também terá de vencer resistências para tributar os itens da cesta básica, embora não haja dúvidas de que a devolução de impostos para famílias de baixa renda vá ao encontro de um sistema mais justo, menos desigual e focado no atendimento dos mais necessitados.

Muitos dos detalhes do texto ficarão para o substitutivo que irá a plenário; outros serão definidos em projetos de lei posteriores, que requerem um quórum menor que o de uma PEC. Mas, se a busca do consenso para a aprovação do texto pode não resultar na reforma ideal, esta parece ser a melhor chance em décadas de o País começar a dar fim ao manicômio tributário que atravanca a produtividade, a eficiência, a competitividade e o crescimento econômico.

“Essa não é uma reforma de governo. Não é uma reforma ideológica. Não é uma reforma de direita. Não é uma reforma de esquerda. É uma reforma estrutural do Estado brasileiro”, disse Aguinaldo Ribeiro, durante a leitura de seu relatório. Sua frase serve não só para a discussão da reforma tributária, mas para todos os temas de relevância nacional. Que o País saiba aproveitar essa oportunidade.