Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O bom e raro exemplo do BC

Banco Central tem rumo e objetivos claros e racionais, algo raro na administração federal

Exclusivo para assinantes
Por Notas e Informações
Atualização:
2 min de leitura

Rumo, objetivos claros e racionais e um programa de longo prazo são algumas peculiaridades do Banco Central (BC), uma instituição com predicados muito raros, hoje, na administração federal. É difícil dizer algo semelhante sobre a Presidência da República e a maior parte do Executivo. Enquanto o BC planeja e implementa ações para baratear o crédito, expandi-lo e tornar o sistema financeiro mais funcional para o desenvolvimento, a maior parte do governo permanece quase encalhada. A proposta de reforma tributária, segundo grande item de uma agenda apenas esboçada, permanece mal definida, sem sinal de acordo mesmo entre as principais figuras do Ministério da Economia. Alheio à administração, o presidente da República enrola-se nas próprias palavras, cria conflitos estapafúrdios interna e externamente e põe em perigo, de forma repetida, os interesses comerciais e a segurança econômica do País. Enquanto isso, a autoridade monetária avança. 

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, apresentou com clareza as metas e o programa de trabalho da instituição em pronunciamento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na terça-feira.

No dia seguinte, retomou alguns dos temas ao discursar na abertura de uma exposição comemorativa dos 25 anos do real, em Brasília. Uma característica importante da política monetária, ressaltada mais de uma vez por dirigentes do BC, tem sido a continuidade, também este um detalhe raro na maior parte do Executivo. A pasta da Agricultura tem sido uma exceção entre os Ministérios, com a ministra Tereza Cristina empenhada, mais de uma vez, em salvar as exportações do agronegócio das barbaridades diplomáticas cometidas pelo presidente e por seus acólitos mais entusiasmados. 

Na gestão rotineira da política monetária, o BC tem dado prioridade ao objetivo básico de preservar o valor da moeda, combinando esse trabalho, tanto quanto possível, com a criação de condições favoráveis à expansão econômica. Essa função, executada com muita competência desde a gestão anterior, permitiu reduzir a inflação de 10,7% em 2015 para menos de 4% ao ano atualmente, com perspectiva de preços bem comportados até 2022. Abriu-se espaço, dessa forma, para reduzir os juros de 14,25% em 2016 para os atuais 6%. Novos cortes dependerão, segundo Campos Neto, de uma inflação bem ancorada e, portanto, das perspectivas de avanço na pauta de ajustes e reformas. 

Ao mesmo tempo, o BC continua trabalhando para ampliar os canais de financiamento, aumentar a concorrência entre as instituições e facilitar o acesso de empresários e de pessoas jurídicas às fontes de recursos. A agenda BC+, implantada na gestão do presidente Ilan Goldfajn, converteu-se em BC#, mas, apesar da mudança de nome, o sentido é essencialmente o mesmo. 

O presidente Campos Neto mencionou, na exposição aos senadores, inovações como a Lei do Cadastro Positivo, a ampliação dos meios de captação das cooperativas de crédito, a proposta de simplificação cambial e o projeto de home equity (uma forma de obtenção de empréstimo com garantia de imóvel já quitado) como iniciativas para tornar o mercado mais eficiente e mais funcional. O apoio ao desenvolvimento das fintechs, uma das heranças da gestão anterior, foi uma das ações mais visíveis e mais promissoras até agora. Se tudo avançar como se espera, a agenda resultará, progressivamente, em financiamento mais amplo e mais acessível para a expansão e a modernização da economia. 

A autonomia operacional do BC, lembrou o presidente, é parte fundamental das transformações necessárias e um fator essencial da credibilidade da política monetária. 

Juros menores dependerão também – é bom ter isso presente – de contas públicas em ordem e de um governo com credibilidade. Se o governo concorrer menos pelo crédito, tanto melhor para a economia. Falta percorrer um longo caminho na direção desse objetivo. O sucesso dependerá de competência técnica, definição clara de objetivos e etapas e capacidade política do Executivo. O exemplo do BC pode ser muito instrutivo e muito útil.