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O caos ‘made in China’

A mesma insensatez da ‘covid zero’ pauta agora o seu desmonte, um desastre para os chineses e o mundo

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Por Notas & Informações
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Em dezembro de 2019, o imponderável aconteceu. Em semanas, um vírus surgido na China instalou o caos nos hospitais do mundo; as economias afundaram entre ondas de mortalidade e pânico. Hoje, o mundo retoma a normalidade. Mas a China, como se voltasse o relógio três anos, mergulha no pesadelo – e o mundo será de novo impactado. A diferença agora é que não há nada de imponderável.

Por três anos a política sanitária chinesa foi exaltada como uma bandeira do orgulho nacional e empregada pela propaganda comunista contra o “declínio” do Ocidente, onde epidemiologistas e políticos, incluindo o ex-presidente Lula, se desfaziam em admiração pela tecnocracia chinesa. No ano-novo de 2021, Xi Jinping se vangloriava: “Com solidariedade e resiliência, escrevemos a epopeia de nossa luta contra a pandemia”.

Mas a epopeia se revelou uma tragédia de proporções ainda desconhecidas. Só é inexato dizer que a política “covid zero” foi um desastre do começo ao fim porque o fim não está próximo – e a catástrofe maior está por vir.

O festival de erros começou logo de saída. Primeiro, Pequim tentou disfarçar a ameaça, amordaçando médicos. Quando ela se mostrou indisfarçável, inventou os lockdowns severos, impedindo populações de províncias inteiras de circular pelo país, mas não pelo mundo. Investigações sobre a origem do vírus foram obliteradas – até hoje não se sabe se saltou de um animal ou de um laboratório –, freando a corrida por tratamentos e vacinas. Quando imunizantes eficazes foram desenvolvidos no Ocidente, o governo, por ideologia nacionalista, os recusou. Ao invés disso, dobrou a aposta em lockdowns longos e indiscriminados, com efeitos desastrosos para a economia.

Quando a paciência da população se esgotou e os protestos explodiram, o Partido afrouxou os lockdowns. Ele teve três anos para preparar esse momento. Mas não o fez. As taxas de imunização são baixas; as vacinas, insuficientes e ineficientes; o sistema de saúde está despreparado; e a população, desinformada. Até há pouco, para justificar confinamentos draconianos, as mídias oficiais alardeavam um monstro horrendo. Agora, dizem que é só uma gripe. De fato, a ômicron, embora mais transmissível, se mostra menos letal no resto do mundo. Mas isso para populações já vacinadas e expostas a outras variantes. As projeções falam em 1,5 milhão de mortes.

Os riscos para o mundo se avolumam. A inundação de infecções no mesmo lugar, ao mesmo tempo, é propícia à irrupção de variantes. As rupturas na China, a “fábrica do mundo”, abalarão as cadeias de suprimentos, impactando uma economia global mal saída da UTI.

Os chineses, até ontem abatidos por lockdowns em massa, serão agora abatidos por infecções em massa – e possivelmente acabarão abatidos por ambos. A comunidade internacional precisa escrever sua própria epopeia de “resiliência e solidariedade” pelo povo chinês. Não só por um imperativo humanitário, mas por autointeresse. A desgraça é que quaisquer lições e recursos que ela possa oferecer dependem, para chegar a esse povo, da humildade de um déspota que até hoje só se guiou por sua húbris.