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O desacordo Mercosul-UE

Relutâncias protecionistas e clientelistas, em prejuízo do interesse comum, são indisfarçáveis

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Por Notas & Informações
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A diplomacia até tentou, mas a recusa do governo peronista da Argentina de assumir compromissos e a desistência de uma comissão europeia de participar de um encontro no Rio de Janeiro nesta semana, às vésperas da cúpula do Mercosul, mostram um esfriamento na disposição dos governantes de fechar o acordo birregional. Lideranças de ambos os lados tentam responsabilizar uns aos outros pelo malogro, acusando má vontade. E ambos estão certos: há má vontade de ambos os lados.

Os pontos mais contenciosos são a pretensão dos sul-americanos de manter prerrogativas em relação a compras governamentais e a dos europeus de estabelecer exigências ambientais. Nada insuperável, se houvesse vontade política.

O acordo já previa exceções em relação às compras governamentais e prazos graduais de adaptação. O anexo sobre sustentabilidade apresentado pelos europeus é um detalhamento de regras já aprovadas, mas não prevê, como se temia, sanções a descumprimentos de metas ambientais.

Até o ano passado, governos europeus refratários ao acordo tinham um formidável pretexto para barrá-lo: o antiambientalismo de Jair Bolsonaro. Sem essa carta, o presidente francês, Emmanuel Macron, foi obrigado a abrir mão da hipocrisia e admitir que é contra o acordo, porque não sabe como explicá-lo “a um agricultor, um produtor de aço, a um fabricante de cimento”. O que ele não sabe é como justificar a sua recusa sem admitir sua motivação: protecionismo.

Lula aproveitou a deixa para terceirizar responsabilidades e ainda jogar para sua galera apelando à vitimização terceiro-mundista: “Os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais. E nós não somos mais colonizados”. Na verdade, os europeus já fizeram concessões em relação às compras governamentais. Outras poderiam ser negociadas em instrumentos anexos, sem reabrir o acordo. Mas Lula tem seus próprios interesses, não necessariamente condizentes com o interesse nacional.

Em entrevista ao Valor, seu chanceler paralelo, Celso Amorim, minimizou a relevância do acordo: “Aqueles poucos setores que vão ter alguma vantagem acham que tem que ter o acordo”. Mas não são poucos setores. Para o agro, as vantagens são evidentes. Mas também a indústria é favorável. Em artigo no Estadão, o presidente da Confederação Nacional da Indústria asseverou, já no título, que o acordo “é crucial para a reindustrialização”.

Se o acordo ficou quase 20 anos na geladeira, foi em parte por má vontade das administrações do PT. Quando Lula alega proteger a indústria contrariando a própria indústria, fica claro que o interesse é outro: proteger políticas corporativistas e clientelistas.

O acordo dificilmente será fechado neste ano, e as eleições europeias no ano que vem trazem mais dificuldades. Mas isso não significa que ele esteja “enterrado”, como alegam alas “desenvolvimentistas” do governo, sem disfarçar sua torcida. Os europeus estão divididos. Potências como a Alemanha são favoráveis. No Brasil, os setores produtivos precisam se fazer ouvir.