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O dever de melhorar a Lei do Impeachment

É preciso revisar a Lei 1.079/1950, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade e o rito do impeachment. Mas a atual proposta do Senado, excessivamente ampla, demanda ajustes

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Por Notas & Informações
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Em 2021, realizando o trabalho fundamental de revisão da legislação de proteção da democracia, o Congresso revogou a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/1983), substituindo-a pela Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021). Foi um passo importante. Mesmo sem ter inconstitucionalidades explícitas, a LSN apresentava uma estrutura voltada à proteção ideológica do Estado, o que, além de não amparar adequadamente o regime democrático, dava margem a interpretações equivocadas e abusivas.

Ficou faltando, no entanto, a revisão da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950), que, em sete décadas de vigência, teve sua redação alterada apenas em relação aos crimes contra o Orçamento público em 2000, na época da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Diante dessa carência, no início de 2022, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, criou uma comissão de juristas para estudar a legislação sobre o impeachment, com o objetivo de propor ao Congresso uma possível atualização.

Agora, com base no anteprojeto elaborado pela comissão, Rodrigo Pacheco apresentou o Projeto de Lei (PL) 1.388/2023, que traz uma proposta de revisão da Lei 1.079/1950. Segundo o presidente do Senado, a atual Lei do Impeachment, pensada para outro contexto social, político e constitucional, é “lacunosa, incompleta e inadequada”, com disposições que se mostraram “anacrônicas e desatualizadas”.

O PL 1.388/2023 tem duas grandes novidades. Em primeiro lugar, ele aumenta o rol de autoridades sujeitas a processos de impeachment, especificando os respectivos crimes de responsabilidade. A Lei 1.079/1950 refere-se apenas ao presidente da República, aos ministros de Estado, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao procurador-geral da República. Na proposta de Pacheco, também podem ser denunciados por crime de responsabilidade os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); o advogado-geral da União; os ministros de tribunais superiores; os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos Tribunais de Conta dos Estados; os juízes, desembargadores e os membros do Ministério Público da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Por exemplo, segundo o PL 1.388/2023, constitui crime de responsabilidade do magistrado “exercer atividade político-partidária ou manifestar opiniões dessa natureza”, bem como “revelar fato ou documento sigiloso de que tenha ciência em razão do cargo”. No caso dos comandantes militares, são crimes de responsabilidade, entre outros, “expressar-se por qualquer meio de comunicação a respeito de assuntos político-partidários” e “realizar ou permitir atividades de inteligência com desvio de finalidade”. Para cada uma dessas autoridades, há um respectivo tribunal competente para julgar as denúncias de crimes de responsabilidade.

A segunda grande novidade da proposta de Rodrigo Pacheco é a fixação de prazo de 30 dias úteis de análise para cada pedido apresentado no Congresso. Decorrido o prazo, “será considerado indeferimento tácito, com o consequente arquivamento da denúncia”, ensejando recurso para a Mesa Diretora interposto por, no mínimo, um terço da composição da respectiva Casa legislativa. Com isso, diminui-se o poder do presidente da Câmara, que, na sistemática atual, pode inviabilizar toda e qualquer denúncia simplesmente não avaliando sua admissibilidade.

É necessário revisar a Lei do Impeachment, mas ainda mais necessário é assegurar que a revisão seja bem feita. Mesmo imperfeita, a Lei 1.079/1950 tem funcionado. Uma nova lei muito complexa, com pretensão de regular todos os casos de abuso do poder estatal, pode ser contraproducente, seja por impedir as devidas responsabilizações, seja por permitir pressões políticas sobre autoridades cujo exercício do cargo deve justamente estar protegido de pressões políticas. Revisar é preciso, mas com muito cuidado. O dever do Congresso é melhorar a lei, não piorá-la.