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O esperneio do Rio

Ceder à ameaça do RJ de suspender pagamento de dívida com a União é ultraje aos Estados adimplentes

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Por Notas & Informações
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O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, informou ao Ministério da Fazenda não ter como pagar a parcela de R$ 8,6 bilhões da dívida do Estado com a União em 2024. Alegou queda de receitas, sobretudo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Castro não se ateve aos argumentos de ordem tributária. Empurrou ao governo federal as possíveis consequências de não ouvir seus apelos por flexibilização nas regras acordadas. E enumerou as tais consequências: “suspensão de salários” de servidores, “fome” e “quebradeira” no Estado.

Não é a primeira vez que o Rio de Janeiro, notório por sua irresponsável gestão fiscal e omisso em relação a reformas, recorre ao governo federal para não honrar acordos da dívida. O passivo do Estado atualmente alcança R$ 186 bilhões, incluindo os avais da União a seus financiamentos. A novidade está na ameaça de Castro de jogar a população fluminense contra Brasília e lavar suas mãos a propósito de qualquer responsabilidade sobre a crise fiscal.

É certo que o Rio de Janeiro sofre perda de arrecadação do ICMS desde a aprovação da Lei Complementar 194/2022, sob os auspícios do então candidato à reeleição Jair Bolsonaro, do mesmo PL de Castro. Ainda em vigor, a legislação reduz as alíquotas do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Houve perda de R$ 2,7 bilhões nessas receitas de janeiro a setembro deste ano. No total, a arrecadação estadual recuou em 5,2% em relação a igual período do ano passado.

O cenário não é muito diferente, quando se trata do ICMS, para os demais Estados. Sobretudo, aos que cortaram gastos nos últimos anos e conferiram maior eficiência a seus aparatos tributários para aliviar o peso da dívida com a União e apresentar à sociedade orçamentos factíveis. Há que considerar, entretanto, o fato de o próprio governo federal ter aberto a brecha para a rebeldia de Castro, a ser oportunamente explorada pelo Rio Grande do Sul e Goiás.

O Ministério da Fazenda esboçou em julho passado uma reformulação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa de alívio no pagamento de dívidas com a contrapartida de esforço para o reequilíbrio das contas públicas, no qual o trio de Estados está pendurado desde o ano passado. O rascunho previa mais facilidades aos endividados, em claro desrespeito às unidades federativas empenhadas no contínuo ajuste de suas contas, e atenderia à necessária reconstrução do pacto federativo, demolido pela gestão de Bolsonaro. O governo Lula, porém, sustou o envio do projeto de lei ao considerar a extrapolação de benesses pelo Congresso Nacional. Castro aproveita-se dessa sinalização.

Não há dúvidas sobre a mais nova crise fiscal do Rio Janeiro, acompanhada por outra, a da segurança pública no Complexo da Maré. Esse contexto certamente será avaliado pelo Ministério da Fazenda. Mas ceder, quando a própria União se contorce para atingir a meta de déficit zero em 2024, não reforçará o pacto federativo. Ao contrário, premiará unidades federativas negligentes no compromisso de ajuste de suas contas públicas.