Os gastos tributários do governo federal e dos Estados, que em 2002 representavam 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB), avançaram para 7,2% do PIB em 2023 e para este ano a estimativa é de que cheguem a 6,9%, apontou estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ou seja, no ano passado, em valores nominais, as renúncias do governo federal e dos Estados a receitas com tributos em programas econômicos e sociais corresponderam a R$ 784,8 bilhões. O que deixou de ser arrecadado é contabilizado como despesa indireta, o chamado gasto tributário.
Mais importante do que a cifra estratosférica, o levantamento da FGV sobre o aumento expressivo e contínuo desse tipo de gasto ao longo das últimas duas décadas mostra a pouca transparência e a falta de avaliação efetiva dos benefícios que cada gasto tributário traz para o desenvolvimento econômico e a redução da desigualdade. A ausência de um padrão de cálculo sobre o impacto financeiro dessas medidas faz também com que parte delas fuja ao crivo dos órgãos de controle. Somente os gastos tributários federais corresponderam a 4,8% do PIB no ano passado.
Buscando identificar os principais problemas que levam à falta de transparência e dificuldade de avaliação, os pesquisadores da FGV atestaram que os erros começam na base, com uma confusão conceitual sobre o gasto tributário, e seguem em descompasso, sem definição sobre a forma como esse gasto é medido e sobre as falhas de monitoramento e governança. Detalhes sobre esses gastos federais são publicados anualmente no Orçamento, mas várias renúncias fiscais não são incluídas na definição de gasto tributário, o que afeta a transparência e o resultado.
Manoel Pires, coordenador do estudo, destacou que mesmo a Receita Federal, que ele definiu como o órgão que trabalha com maior estabilidade conceitual, usa metodologia que deixa alguns gastos de fora, citando como exemplo o Repetro, regime aduaneiro especial para importação e exportação de equipamentos para exploração e produção de petróleo.
Os pesquisadores da FGV conseguiram catalogar o que, de forma geral, tem sido recorrente no País, com a proliferação de subsídios e incentivos tentando compensar a alta e complexa carga tributária em medidas seletivas e pouco eficientes. No caso dos Estados, os anos de guerra fiscal, numa disputa para ver quem dava os maiores benefícios para atrair indústrias de fora, deixaram um rastro de desequilíbrios. As justificativas que embalam os pacotes de privilégios, em todas as esferas, são invariavelmente as mesmas – geração de empregos, redução da pobreza e desenvolvimento regional –, mas a aferição do alcance desses objetivos com frequência cai no esquecimento, sem que haja quaisquer cobranças.
Os dados do relatório evidenciam a falta de critérios objetivos e metas de desempenho e, ainda, a falta de um órgão gestor para monitorar a política pública que criou determinado gasto tributário. A aprovação, no ano passado, da primeira etapa da reforma tributária, centrada no consumo, foi sem dúvida um avanço, mas o grande número de benefícios fiscais e regimes diferenciados para alguns setores torna mais difícil a sua execução em razão da quantidade de bens com tratamento favorecido, que eleva a alíquota padrão. Inicialmente previsto em torno de 25%, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) já é estimado em 28%, um dos mais altos do mundo.
O volume de recursos que o governo deixa de arrecadar por causa do aumento das políticas de renúncia tributária extrapola, e muito, os ganhos eventuais, o que indica a necessidade de reduzir esse impacto nas contas públicas. O relatório da FGV chega à conclusão óbvia de que o melhor caminho para atingir esse objetivo é promover uma avaliação contínua dos efeitos desses programas para o desenvolvimento econômico do País e para a efetiva redução da desigualdade – e obviamente ter a coragem de cancelar os que não entregam o esperado.