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O histórico acordo EUA-Irã

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Por Redação
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Ainda há muito a ser negociado, e sempre existe o risco de que os detalhes - que é onde mora o diabo - acabem prejudicando o desfecho, mas o fato é que o anunciado acordo entre Estados Unidos e Irã tem tudo para abrir uma nova era diplomática para um dos mais tensos embates da história recente. O objeto do acordo não é apenas o programa nuclear iraniano, mas a tentativa de inaugurar uma forma mais pragmática de relacionamento entre americanos e iranianos - um auspicioso avanço que, malgrado suas evidentes imperfeições, certamente terá impacto global.O acerto, na prática, congela o programa nuclear iraniano pelos próximos 25 anos e prevê dura fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica. O Irã deverá fechar dois terços das centrífugas que enriquecem urânio que poderia ser usado na construção de artefatos nucleares. Além disso, só poderá enriquecer urânio em um nível muito inferior ao necessário para fins militares.Essas providências, em teoria, impedirão que o Irã consiga construir uma bomba atômica ao menos no curto prazo. Em troca, as sanções econômicas ao país serão suspensas de forma gradual. Com isso - é o que espera o presidente americano, Barack Obama - o Irã abandonará sua pretensão de ter armamento nuclear, moderará suas ambições regionais e voltará à convivência plena com a comunidade das nações.Tudo isso, por enquanto, não está firmado e selado. Os obstáculos políticos para o acordo, cujos termos finais serão fechados em 30 de junho, são inúmeros. Para a oposição republicana, que reivindica para o Congresso o poder de vetar o entendimento, Obama ignorou as responsabilidades dos Estados Unidos no Oriente Médio, especialmente em relação à segurança de Israel - que, como era previsível, repudiou as negociações. Para os republicanos, o Irã é e sempre será inimigo, com o qual não cabe nenhuma negociação.Essa disposição de torpedear o acordo com o Irã não surpreende. A oposição a Obama tem se notabilizado nos últimos tempos pela tentativa de minar todas as suas iniciativas e paralisar a administração - para, então, pregar-lhe o rótulo de omisso e incompetente. Restou ao presidente dar o troco na forma de uma agressiva aposta na diplomacia - uma das poucas frentes políticas em que o Executivo americano goza de relativa autonomia. E nada melhor para testar essa autonomia do que aproximar os Estados Unidos de dois de seus maiores inimigos, Cuba e Irã.Para Obama, chegou a hora de mudar a estratégia, pois a adoção de sanções contra Cuba e Irã, com o objetivo de isolá-los, não atingiu o objetivo pretendido, isto é, não dobrou os dois países. Ao contrário, aprofundou ódios e rancores. Os interesses americanos estarão mais bem atendidos, segundo esse ponto de vista, se a diplomacia conseguir atrair os adversários para a mesa de negociações.No caso do Irã, Obama assumiu o risco de dar crédito ao regime dos aiatolás na presunção de que o Irã não será tolo o bastante para enganar os americanos - embora a falta de transparência tenha sido desde sempre a marca de Teerã em relação a seu programa nuclear. Em entrevista recente, o presidente americano disse que o Irã - cujo orçamento militar é de US$ 30 bilhões, ante US$ 600 bilhões dos Estados Unidos - "sabe que não pode nos enfrentar".Do lado do Irã, parece haver uma genuína vontade de negociar por parte do presidente Hassan Rouhani. No passado, esse comportamento poderia ser interpretado como uma fissura no regime dos aiatolás. Hoje, porém, está claro que a aproximação cautelosa com os Estados Unidos, liderada por Rouhani, visa, na verdade, a preservar esse regime - não mais pela via da hostilidade ao Ocidente, mas pela via da abertura e da recuperação da economia, devastada pelas sanções e pelo isolamento. Um comentarista americano comparou Rouhani a Deng Xiaoping, pelo papel que coube a este na modernização da China nos anos 80. O futuro dirá se os velhos aiatolás permitirão que tal ousadia prospere.