Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O mistério da fé lulopetista

Lula acha que basta rechear seu discurso com expressões religiosas para se aproximar dos evangélicos, o que mostra a ignorância do PT a respeito dos anseios desse segmento da população

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Por Notas & Informações
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O presidente Lula da Silva parece achar que encontrou a luz que fará o governo retomar o caminho da popularidade perdida. Como o demiurgo e seus spin doctors estão convictos de que a desaprovação crescente ao seu mandato vem do afastamento da população evangélica, ele resolveu se transfigurar em crente. Foi o que se viu na constrangedora missa de quermesse que Lula oficiou num palanque de Arcoverde, em Pernambuco, quando usou inacreditáveis 27 vezes as palavras “Deus” e “milagre”, atingindo a surpreendente marca de uma referência religiosa por minuto em seu discurso. O presidente definiu como um “milagre de fé” a obra que levará águas do Rio São Francisco para o agreste pernambucano, exaltou a “crença” dos brasileiros tanto para obras oficiais quanto para a sua própria chegada à Presidência, criticou o uso do nome de Deus em vão pelos adversários e, ora vejam, afirmou ter sido escolhido pelo “homem lá de cima” para solucionar o problema da escassez de água no Nordeste.

Eis o mistério da fé lulopetista: desde que os institutos de pesquisa radiografaram a distância que hoje separa o governo dos evangélicos, conselheiros governistas invariavelmente apontam caminhos para que Lula tente se aproximar desse segmento. Nos últimos dias, soube-se que a nova campanha do governo adotará o slogan “Fé no Brasil”. A ideia, dizem porta-vozes, é difundir os feitos do governo e fazer um “aceno” ao eleitorado evangélico. Não se discute aqui a religiosidade presidencial nem a criatividade dos seus publicitários, mas o artificialismo de recém-convertido e a estratégia escolhida para a tal “aproximação com os evangélicos” demonstram que nada entenderam do problema – muito menos das soluções. Pelo que se viu em Pernambuco, Lula e seus apóstolos só reafirmam desconhecimento e preconceito.

Um erro habitual de muitos não evangélicos, especialmente da esquerda lulopetista, é enxergar o segmento como uma só coisa e, sobretudo, como uma outra gente. É como se se tratasse de outro País, apartado e monolítico, uma espécie de “Evangelistão”. Ocorre que não há outro Brasil, à parte do Brasil oficial, tampouco ninguém é apenas evangélico, assim como não é apenas católico nem apenas mãe, pai ou trabalhador. Pensar o inverso é tão enganoso quanto tomar a parte pelo todo: atribuem-se ao segmento evangélico os males do fundamentalismo bolsonarista e do radicalismo de pastores que se misturam à política. Convém lembrar a animada fala da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao tratar da atuação de pastores “mentirosos” que “vão para o inferno” porque se aproveitam da “boa-fé” e da falta de instrução dos fiéis. Foi quase uma peça antipetista pronta. Ela e a companheirada não percebem que nem todo evangélico segue a cartilha do extremismo.

O presidente dificilmente moverá montanhas entre evangélicos tentando credenciar-se como uma espécie de profeta. Sem dúvida há uma dissonância de valores entre a esquerda e uma boa parcela dos evangélicos, tradicionalmente mais conservadores em matéria de família, segurança e expectativas de futuro. Mas a dissonância maior tem muito mais a ver com a visão de mundo e de liberdade.

Há pesquisas com moradores de periferias e também entre evangélicos que apontam uma prevalência de valores liberais, com foco no empreendedorismo, nas conquistas individuais e na ascensão pelo trabalho. Há, por oposição, também forte rejeição a um Estado glutão e intrometido – exatamente o ideal de Estado para os petistas. Como constatou em 2017 uma pesquisa feita pelo próprio PT, por meio da Fundação Perseu Abramo, na periferia de São Paulo, em meio à brutal crise econômica gerada pela incúria lulopetista, “no imaginário da população não há luta de classes; o ‘inimigo’ é, em grande medida, o próprio Estado ineficaz e incompetente”.

É difícil acreditar que será a Bíblia a salvar o governo da desaprovação popular. Não há milagre: os evangélicos, a exemplo de tantos outros setores da sociedade, querem facilidade para empreender, escolas eficientes para seus filhos, bom uso dos impostos e segurança para a família. Deus não tem nada com isso.