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O preço da imprudência

Inadimplência de programa da Caixa para negativados, criado no período pré-eleitoral, bate em 80%

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Por Notas & Informações
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Impressiona a escalada da inadimplência na concessão de microcrédito pela Caixa. Até meados do ano passado, a taxa rodava a uma média anual inferior a 4%. Cerca de seis meses antes da eleição presidencial, sob a gestão de Pedro Guimarães, o banco lançou o programa de facilitação de empréstimos a pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs) mesmo que sob avaliação negativa dos órgãos de controle de crédito. A partir de então, a taxa de inadimplência da Caixa disparou até ultrapassar 21% em maio deste ano.

Somente no programa que incluiu a “inovação” do crédito a negativados, custeado em parte por recursos arrecadados pelo FGTS, o índice de calote em 12 meses gira em torno de inacreditáveis 80%. Apesar dos valores limitados dos empréstimos – no máximo R$ 4,5 mil por operação –, a adoção do programa, batizado de SIM Digital, desconsiderou regras básicas de prudência bancária.

Sob o falso propósito de estimular o empreendedorismo, fez parte do processo de distribuição de recursos com fins claramente eleitorais. E que, de forma mais do que previsível, elevou a inadimplência da Caixa no segmento de microcrédito a um patamar recorde. É um exemplo que vale analisar num momento em que outro programa governamental tem como um dos principais objetivos “limpar” CPFs incluídos no cadastro de negativados por dívidas irrisórias.

Há muitas diferenças entre as duas iniciativas, a começar pelo próprio timing. O SIM Digital ocorreu no fim do governo Bolsonaro, às vésperas de uma eleição polarizada e na qual o próprio presidente da Caixa tinha sérias pretensões – eliminadas depois de seu afastamento do cargo e do governo em meio ao escândalo das acusações de assédio sexual. O Desenrola Brasil, iniciado neste mês, ocorre em início de gestão, como parte do cumprimento de promessas de campanha.

Na semana passada, quando entrou em vigor o programa de renegociação de dívidas lançado pelo governo Lula, os bancos anunciaram que 1,261 milhão de clientes que estavam com o nome “sujo” por dívidas ativas de até R$ 100 haviam sido retirados do cadastro de inadimplentes. A dívida permanece, é renegociada e terá de ser paga, mas eles passam a estar, de imediato, aptos a novos créditos.

Não deixa de ser chocante que tanta gente receba o selo de mau pagador por dívidas bancárias em valores insignificantes, o que torna ainda mais patente a necessidade de uma educação financeira desse público. É óbvio que o crescimento do endividamento não está circunscrito a isso, mas é uma base que precisa ser reforçada. Não adianta apenas liberar mais empréstimos, muito menos de forma tão desprovida de critérios, como foi a que idealizou o SIM Digital.

Cabe ao governo e às instituições financeiras que aderiram ao novo programa orientar os tomadores de empréstimos. O cumprimento dos compromissos resguarda os agentes, robustece os clientes à medida que eleva seu grau de avaliação no sistema financeiro e faz girar a economia, dentro de um nível de risco plausível. A reabilitação ao crédito é bem-vinda – desde que sem irresponsabilidade eleitoreira.