Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O susto do capital estrangeiro

Investimento direto continua suficiente para o momento, mas está muito arisco

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

O capital estrangeiro continua arisco e desconfiado, sem se encantar pelas promessas do ministro da Economia e pelas bravatas do presidente Jair Bolsonaro. Ficou em US$ 1,5 bilhão o ingresso de investimento direto em novembro. Isso é menos de um quinto do valor contabilizado um ano antes (US$ 8,7 bilhões). Neste ano entraram US$ 33,4 bilhões. Entre janeiro e novembro do ano passado a entrada líquida, diferença entre ingresso e saídas, foi quase o dobro, de US$ 66,4 bilhões. Esse tipo de investimento é o mais seguro para o País, o menos especulativo e o mais favorável à atividade econômica, porque é destinado à atividade empresarial. Também por esses fatores é o mais desejável para financiar déficits na conta de transações correntes do balanço de pagamentos.

Essa conta resume o intercâmbio do Brasil com o exterior. Inclui o comércio de mercadorias, a balança de serviços e o movimento de rendas. O País é tradicionalmente superavitário na balança comercial, mas as contas de serviços e rendas são em geral fechadas no vermelho. O resultado geral tende a ser negativo. Com a pandemia, o distanciamento social e as mudanças no consumo, o conjunto ficou menos desequilibrado.

O buraco em transações correntes diminuiu de US$ 52,2 bilhões nos 12 meses até novembro de 2019 para US$ 12,1 bilhões nos 12 meses seguintes. O déficit foi financiado com grande folga, como tem ocorrido há vários anos, embora o investimento direto tenha caído, entre esses períodos, de US$ 74,6 bilhões para US$ 36,2 bilhões. O capital ficou mais arisco, mas continuou mais que suficiente para o fechamento das contas externas.

Com a pandemia, diminuíram as necessidades de financiamento das transações correntes. A crise no exterior, especialmente nos vizinhos sul-americanos, derrubou as exportações brasileiras, mas a recessão e a mudança de hábitos de consumo impuseram uma queda maior às importações. Pelas contas do BC, o Brasil exportou neste ano, até novembro, produtos no valor de US$ 192,3 bilhões, 7,2% menor que o de um ano antes. O total importado, de US$ 147,9 bilhões, foi 14% inferior ao de janeiro a novembro de 2019.

Com menos viagens e menos gastos com fretes, entre outras mudanças, o déficit em serviços caiu de US$ 31,5 bilhões para US$ 18,8 bilhões. Na conta de renda primária, onde se alojam, além de outros itens, a remessa de lucros e dividendos, o saldo negativo passou de US$ 51,2 bilhões para US$ 35,1 bilhões. Assim, o déficit em transações correntes diminuiu de US$ 46 bilhões em janeiro-novembro do ano passado para US$ 7,5 bilhões em 2020.

As mudanças ficam mais notáveis quando se examina a evolução mensal. Em novembro, as transações correntes, com resultado positivo de US$ 202 milhões, foram superavitárias pela sétima vez em oito meses. Um ano antes o saldo havia sido um déficit de US$ 3,1 bilhões. Com menor desequilíbrio, as necessidades de financiamento diminuíram consideravelmente.

Em setembro, em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Jair Bolsonaro mencionou um aumento do investimento direto, no primeiro semestre, em relação a um ano antes. “Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo”, disse ele. Mas de fato o investimento diminuiu de US$ 32,2 bilhões nos primeiros seis meses de 2019 para US$ 25,3 bilhões um ano depois.

O capital fugiu do Brasil, espantado pela ação antiambientalista do governo e por outros erros políticos e diplomáticos. Um dos efeitos dessa fuga foi a enorme desvalorização do real. No fim de outubro, quando o dólar chegou a R$ 5,74, só as moedas de Zâmbia e do Suriname acumulavam desvalorizações maiores que a da moeda brasileira.

Apesar disso, as aplicações em portfólio, como fundos de investimento, cresceram nos seis meses até novembro. Com o dólar tão valorizado no Brasil e tanto dinheiro rodando no mudo rico, alguma incursão no Brasil pode ser tentadora. Em onze meses, no entanto, as saídas líquidas chegaram a US$ 14,8 bilhões (US$ 2,4 bilhões no ano anterior). É uma estranha demonstração de confiança.